PONTOS-CHAVE:

  • A ingestão de água fria e as bebidas com “ice slurry” (gelo triturado, semelhante ao da raspadinha e frozen, por exemplo), é um método de resfriamento corporal que pode ser facilmente administrado durante a prática de exercícios no calor. No entanto, a temperatura interna não é reduzida de maneira confiável quando em comparação com bebidas mais quentes, mesmo durante a prática de exercícios com produção de calor estável.
  • A ingestão de bebidas frias estimula os termorreceptores no abdômen, que parecem reduzir a transpiração independentemente da temperatura interna e da pele.
  • Em ambientes secos e ventilados, a redução da sudorese após a ingestão de bebidas frias reduz a perda de calor por evaporação da pele a uma magnitude que ao menos neutraliza a perda de calor interna produzida pelo aquecimento do líquido frio ingerido até a temperatura corporal.
  • Em ambientes úmidos e sem ventilação, quando o suor começa a pingar da pele, deve ocorrer um efeito concreto de resfriamento após a ingestão de água fria e gelo triturado durante o exercício.
  • Os benefícios do resfriamento através da ingestão de bebidas frias/gelo durante o exercício, possivelmente são muito positivos para atletas com deficiências fisiológicas na transpiração, como aqueles com lesões na medula espinhal ou queimaduras, já que sua capacidade de evaporação através da pele é muito menor.
  • A ingestão de bebidas frias/gelo durante o exercício provavelmente é muito mais benéfica para menores temperaturas internas, em atletas que utilizam equipamentos de proteção que impedem a evaporação do suor através da pele (por exemplo, futebol americano, hockey no gelo, esportes automobilísticos e esgrima).
  • A água fria e bebidas com gelo triturado são mais eficientes em baixar a temperatura corporal do atleta quando administradas imediatamente antes do exercício, ou durante a recuperação no pós-exercício.

 

 

INTRODUÇÃO

Durante o exercício aeróbico, uma enorme quantidade de energia metabólica é liberada na forma de calor no interior do corpo. Este calor deve ser transportado em direção à pele e depois dissipado para o ambiente circundante para evitar um aumento potencialmente perigoso da temperatura corporal (Kenny & Jay, 2013). Do ponto de vista esportivo, grandes elevações na temperatura corporal também contribuem para um decréscimo significativo na performance em exercícios de resistência, com o tempo até a exaustão em uma determinada intensidade de exercício, sendo 50% menor na temperatura de 31ºC, em comparação com a temperatura de 11ºC (Nybo et al., 2014). Estratégias de resfriamento que minimizam a magnitude da hipertermia induzida pelo exercício são, portanto, avidamente procuradas por atletas e também praticantes de esportes. 

Resfriar os atletas antes do exercício, utilizando imersão em água fria (2-20ºC), coletes com gelo e/ou colar de resfriamento, têm a capacidade de melhorar a performance aeróbica no calor (Bongers et al., 2015). No entanto, a maioria destas estratégias não são viáveis, particularmente em ambientes com poucos recursos, e podem ser problemáticas para implementar (e reabastecer, se necessário) durante exercícios/competições. Por outro lado, a ingestão da água fria ou uma bebida misturada com gelo triturado, antes e/ou durante a prática de exercícios se torna uma alternativa mais conveniente. A eficácia da ingestão de uma bebida com gelo triturado ou água fria (< 10ºC) na melhora da performance aeróbica no calor tem sido revisada de maneira abrangente e os dados encontrados apoiam a melhora da performance (Tan & Lee, 2015). O que fica menos claro é se a ingestão da água fria e/ou uma bebida com gelo triturado realmente reduz a quantidade de calor armazenada no interior do corpo. Enquanto bebidas frias causam transferência adicional de calor (por condução) no interior do corpo, modificações paralelas na transpiração podem, em certas condições, reduzir a quantidade de perda evaporativa de calor que acontece na superfície da pele. Os principais objetivos deste artigo do Sports Science Exchange (SSE) são fornecer 1) uma visão geral dos fatores que influenciam o armazenamento de calor corporal e em última instância o aumento na temperatura interna, quando a ingestão de água fria/gelo acontece durante a prática de exercícios no calor, e 2) considerações práticas para quando bebidas frias devem ser recomendadas como uma estratégia efetiva na redução da quantidade de calor corporal durante o exercício. 

EQUILÍBRIO DE CALOR HUMANO E ARMAZENAMENTO DE CALOR CORPORAL   

            A quantidade excedente de calor armazenada no interior do corpo humano durante o exercício e/ou na exposição ao calor é determinada pelas leis fundamentais do equilíbrio térmico humano:

Calor armazenado = energia térmica produzida – energia térmica eliminada pela superfície da pele

            A energia térmica produzida (produção metabólica de calor: Cprod) emana do interior do corpo e é um subproduto do metabolismo celular. O Cprod é a diferença entre o gasto metabólico de energia (M) e a quantidade de trabalho externo (W) realizado. Verifica-se que M é determinado por uma taxa absoluta de consumo de oxigênio de um atleta (VO2; em L/min) e a proporção utilizada deste oxigênio para catabolizar carboidratos associados às gorduras (como exemplo, o quociente respiratório). A quantidade externa de trabalho realizado é regulada pela eficiência mecânica (porcentagem de energia do metabolismo utilizada para o trabalho externo) da atividade. Durante atividade de ciclismo, 20 a 25% de M é utilizado para W, com os 75 a 80% remanescentes de M sendo liberados como calor no interior do corpo. Por outro lado, uma atividade de corrida em uma superfície plana resulta em quantidade insignificante de trabalho externo (~0% de M), já que as forças de propulsão e ruptura do movimento resultam em quantidades iguais de trabalho positivo e negativo, respectivamente (Margaria, 1968).

Enquanto uma quantidade pequena da perda de calor ocorre via respiração, grande parte da perda de energia térmica no corpo acontece pela superfície da pele, com a troca de calor acontecendo por quatro maneiras diferentes. Condução (K), é a transferência de calor através do contato direto com uma superfície sólida, é geralmente considerada insignificante para a maioria dos cenários esportivos (Parsons, 2003). Convecção (C), transferência de calor entre um sólido e um fluido em movimento, é determinada por 1) fluxo de ar ao longo da superfície da pele, que pode ser gerada ambientalmente e/ou um movimento de ar gerado à medida que o atleta se impulsiona através de uma massa de ar; e 2) a diferença de temperatura entre a pele e o ar. Quando a temperatura do ar excede a temperatura da pele (~33 a 35ºC) a perda de calor por convecção se transforma em um ganho de calor por convecção. Radiação (R) é a transferência de energia eletromagnética entre um corpo relativamente quente e um frio, e é conduzida pela diferença de temperatura entre a pele e uma temperatura média irradiada. A principal fonte de radiação termal na maioria dos ambientes associados ao esporte é a radiação solar, que é dependente da hora do dia, estação do ano, nebulosidade e latitude da localização. Por fim, a evaporação (E) do suor é a via de perda de calor mais importante durante o exercício em condições ambientais quentes, com liberação de 2.427 J de energia térmica, para a evaporação de cada 1g de suor (Parsons, 2003). A taxa da perda evaporativa de calor depende da diferença na umidade absoluta entre a superfície da pele e o ambiente ao redor, assim como a taxa do fluxo de ar que entra em contato com a superfície da pele. A taxa máxima de evaporação é também determinada pela capacidade fisiológica em saturar a superfície da pele com suor. Por exemplo, mesmo com transpiração máxima, um indivíduo não acostumado com o calor pode cobrir apenas 85% da superfície da pele com suor, enquanto este valor aumenta para a cobertura de 100% com a total climatização ao calor (Candas et al., 1979b). Evidentemente, os atletas com lesões que reduzem a capacidade de transpiração como, por exemplo, atletas com a medula espinhal lesionada ou atletas com lesões por queimaduras, podem apenas atingir níveis muito menores de alcance da transpiração, e ainda, têm um limite superior mais baixo para a perda evaporativa de calor em um determinado conjunto de condições ambientais. Por fim, à medida que a pele se torna progressivamente mais úmida, a eficiência da transpiração, exemplo, a quantidade de suor que evapora em relação à quantidade de suor produzido, reduz drasticamente (Candas et al., 1979a). Em condições de menor eficiência da transpiração, uma redução na sudorese terá menor impacto na perda de calor por evaporação.

A quantidade de energia térmica armazenada no interior do corpo (S) é determinada pela diferença cumulativa entre Cprod e a dissipação concreta de calor a partir da superfície da pele para o ambiente circundante (± K ±C ± R ± E) (Parsons, 2003). Durante a prática de exercícios em uma determinada quantidade de Cprod, a quantidade de evaporação (E) e, portanto, a quantidade de suor necessário para limitar S é progressivamente maior à medida que a temperatura do ar aumenta. Em condições ambientais quentes e úmidas, a quantidade necessária de evaporação pode não ser atingida, levando a um cenário de estresse pelo calor não compensável, que é caracterizado por uma temperatura interna que aumenta continuamente (e normalmente, também da pele) devido ao acúmulo incessante de calor no interior do corpo (Kenny & Jay, 2013). Em tais condições, se o exercício continua, o risco de distúrbios relacionados ao calor e lesões para um atleta é consideravelmente elevado (Nybo et al., 2014). O aumento observado na temperatura interna para uma determinada quantidade de calor armazenada no interior do corpo durante o exercício num ambiente quente, é predominantemente determinada pela massa corporal (Kenny & Jay, 2013), com indivíduos maiores em uma determinada quantidade de Cprod , apresentando elevações na temperatura interna muito menores devido à sua maior capacidade em dissipar calor, quando em comparação com seus colegas de menor tamanho corporal, (Dervis et al., 2016).

A INFLUÊNCIA DA INGESTÃO DE LÍQUIDOS FRIOS OU GELO TRITURADO NO EQUILÍBRIO TÉRMICO

O benefício imediato da ingestão de um líquido frio ou gelo triturado é que eles introduzem uma via adicional de transferência de calor (transferência interna de calor) às quatro formas de transferência de calor através da superfície da pele. O estoque de calor corporal é, portanto, determinado pela diferença cumulativa entre o Cprod e o conjunto de perda de calor através da superfície da pele e qualquer transferência interna de calor com o líquido ingerido. Se a perda de calor pela superfície da pele permanece inalterada após a ingestão de líquidos frios ou gelo triturado, o armazenamento de calor corporal será menor, e o atleta irá teoricamente permanecer mais frio. À medida que a perda de calor pela superfície da pele durante a prática de exercícios no calor ocorre principalmente pela evaporação, qualquer alteração na transpiração terá grande impacto no equilíbrio térmico. Especificamente, se a evaporação através da superfície da pele for reduzida na mesma quantidade que a elevação na transferência interna de calor (dentro do estômago), o armazenamento de calor corporal vai permanecer inalterado (Figura 1).

 

Figura 1. Determinantes do armazenamento de calor corporal com a ingestão de líquidos frios durante o exercício. 

Tradução da figura:

ARMAZENAMENTO DE CALOR CORPORAL  

Maior / Menor (flechas)

Menor / Maior (flechas)

Centro:

Aumento da Perda Interna de Calor

Redução da Perda Evaporativa de Calor

 

AS RESPOSTAS NA TRANSPIRAÇÃO COM A INGESTÃO DE LÍQUIDOS FRIOS OU GELO TRITURADO DURANTE O EXERCÍCIO E O IMPACTO NA EVAPORAÇÃO A PARTIR DA PELE

Reduções na transpiração com a ingestão de água fria foram relatadas já em 1942, em um estudo clássico de Pinson e Adolph (1942). Mais recentemente foi mostrado que estas alterações na sudorese ocorrem por todo o corpo em ~1 minuto após a ingestão da água fria (Morris et al., 2014), assim como de bebidas com gelo triturado (Morris et al., 2016), durante o exercício (Figura 2). No entanto, reduções na transpiração são observadas com certa antecedência em relação à (e, frequentemente sem a presença de) quaisquer diferenças nas temperaturas interna e da pele e são, na verdade, mediadas por termorreceptores independentes mais provavelmente localizados dentro, ou em volta, do estômago (Morris et al., 2014).

 


Figura 2. Uma ilustração das reduções na produção de suor (gráficos superiores) com a ingestão de água fria (esquerda) e bebida com gelo triturado” (direita) durante o exercício independentemente da temperatura interna e da pele (gráficos inferiores). Adaptado de (Morris et al., 2014, 2016).

Tradução da figura

Taxa de Sudorese Local (mg-min-cm) // Temperatura Corporal Média (ºC)

 

Já que a evaporação de 1g de suor rende 2.427 J de perda de calor latente, a possível redução na perda evaporativa de calor através da superfície da pele com a ingestão de água fria/gelo triturado pode ser calculada. Mais ainda, este valor pode ser comparado com o aumento paralelo da perda interna de calor estimada, utilizando a capacidade térmica específica da água (4.186 J/g) e a entalpia de fusão do gelo (334 J/g), assim como o volume/massa da água e a alteração na temperatura, necessária para equilibrar a temperatura corporal.

A Tabela 1 detalha estudos retirados da literatura que relataram perdas de suor em todo o corpo após a ingestão de água fria ou bebida com gelo triturado e um líquido controle mais quente, com volume conhecido durante exercício estável, em um ambiente aberto. Estudos sobre a performance do exercício não foram inclusos, já que as intensidades autodefinidas de exercício (e, portanto, a produção metabólica de calor) podem ser influenciadas pela temperatura do líquido ingerido, que iria alterar a transpiração, independentemente da troca interna de calor (Mündel et al., 2006). Dos 10 estudos inclusos, sete testaram a ingestão de água fria e 3 testaram a ingestão de bebida com gelo triturado. Também estão relatadas as diferenças paralelas na temperatura ao final do exercício, entre a ingestão de água fria ou bebida com gelo triturado, e de um líquido controle mais quente (Tabela 1). Doze comparações nos 10 estudos foram possíveis, com apenas 5 das 12 rendendo uma perda concreta de calor, maior com a ingestão de água fria/gelo triturado em comparação com o líquido controle (o aumento da perda interna de calor foi maior que a redução na evaporação de calor pela superfície da pele). Independentemente de qualquer interferência no equilíbrio térmico, uma consistência clara entre todos os estudos analisados, é que em uma determinada produção metabólica de calor, a ingestão de água fria/gelo triturado durante o exercício não gera diferenças notáveis em relação à alteração da temperatura interna. Na verdade, apenas um estudo relatou valores maiores que 0,1ºC ao final do exercício, em comparação com a ingestão do fluido termicamente neutro na mesma intensidade de exercício (Tabela 1). Esta observação é importante já que atletas ao se exercitarem, podem ter a sensação de estarem com a temperatura mais baixa após a ingestão de líquidos frios (Burdon et al., 2013), ainda que os dados indiquem que eles, na verdade, não irão “ficar” mais frios.

Tabela 1. Equilíbrio térmico e respostas na temperatura interna com a ingestão de água com diferentes temperaturas e bebidas com gelo triturado, durante exercícios em condições ambientais frescas à quentes. 

Tradução da figura:

Parte inferior:

As temperaturas das bebidas comparadas (Tfluidos) em diferentes condições de temperatura do ar (Tar) e umidade relativa (UR). Diferença na perda interna de calor entre as bebidas comparadas (∆Cinterno). Diferença no potencial evaporativo pela superfície da pele entre as bebidas comparadas (∆Epele) – assumindo evaporação de 100%. Diferença na perda concreta de calor entre as bebidas comparadas (∆Cperda_concreta), exemplo, ∆Cinterno – Epele. Diferença paralela na temperatura interna ao final do exercício (Tint-Final) entre as bebidas comparadas (valor negativo significa que a temperatura interna foi menor com a bebida mais gelada). Os estudos acima da linha indicam estudos nos quais uma perda concreta de calor resultou da ingestão de líquido frio ou gelo triturado durante o exercício.

Tabela:

Substituir ICE por GELO

Substituir pontos por vírgulas, nas casas decimais.

Título da tabela (linha superior):

Estudo Condições (Tar, %UR)  Tlíquido (ºC) Volume (ml) ∆Cinterno (KJ) ∆Epele (KJ) ∆Cperda_concreta

(KJ)

∆Tint-Final (ºC)

 

HÁ SITUAÇÕES EM QUE A INGESTÃO DE ÁGUA FRIA/GELO TRITURADO DURANTE O EXERCÍCIO REDUZIRÁ O ARMAZENAMENTO DE CALOR CORPORAL?

A consideração mais importante para atletas e treinadores utilizando a ingestão de água fria/gelo triturado durante o exercício como estratégia de resfriamento é a condição ambiental prevalecente à que o atleta está exposto. A maioria dos estudos detalhados na Tabela 1 foram conduzidos em uma condição ambiental relativamente fresca (exemplo, temperatura do ar 27ºC), e é digno de nota que em três estudos com condições mais quentes/úmidas (Burdon et al., 2013; Gisolfi & Copping, 1974; Hailes et al., 2016), a ingestão de água fria ou bebida com gelo triturado não pareceram resultar consistentemente em temperaturas internas ligeiramente menores (0,1-0,2ºC) ao final do exercício. 

A principal vantagem da perda interna de calor, que ocorre com a ingestão de água fria ou gelo triturado, é que toda a transferência de calor neste caso é 100% eficiente. Enquanto a perda de calor via evaporação do suor, como previamente descrita, pode ser altamente ineficiente, particularmente em condições ambientais quentes, úmidas e sem a presença de ventilação. De fato, a eficiência da evaporação do suor em atletas de elite aclimatados, tem sido relatada ser bem abaixo de 50% (Malchaire et al., 2001). Portanto, nestas condições, as reduções na transpiração pela superfície da pele com a ingestão de água fria ou gelo triturado não vão resultar em reduções proporcionais na perda evaporativa de calor, significando que o aumento na perda interna de calor é mais provável de exceder a redução na evaporação, levando à maior probabilidade de um armazenamento menor de calor corporal. Fica claro, portanto, que o ponto em que a ingestão de água fria ou gelo triturado se torna benéfica em termos de redução do armazenamento de calor corporal, é altamente dependente de reduções significativas na eficiência da transpiração. Os decréscimos na eficiência da transpiração ocorrem em diferentes combinações de temperatura e umidade do ar para uma dada produção metabólica de calor e taxa do fluxo de ar através da pele; portanto, as condições ambientais limites em que bebidas frias são prováveis de reduzir o armazenamento de calor corporal vão ser diferentes entre os esportes.

Como exemplo, a figura 3 ilustra os limites das combinações da temperatura e umidade do ar para o ciclismo de resistência, um percurso a pé de 50 km e uma maratona, onde bebidas frias ou com gelo triturado são benéficas para conseguir atingir um menor estoque de calor.

 

Figura 3. Condições ambientais limites estimadas, nas quais bebidas frias são benéficas em conseguir atingir menor armazenamento de calor no ciclismo de resistência (Bicicleta), caminhada de 50 km (Caminhada), e uma maratona (Corrida) para atletas do sexo feminino e masculino. Limites estimados assumindo reduções equivalentes no potencial de perda evaporativa de calor através da pele, com aumentos na perda interna de calor com a ingestão de água fria/gelo (Parsons, 2003). 

Tradução da figura:

Umidade Relativa (%)//Temperatura (ºC)

Mulheres: Caminhada/Corrida/Bicicleta

Homens: Caminhada/Corrida/Bicicleta

Benéfica //Não-Benéfica

 

A umidade relativa acima da qual a ingestão de água fria e bebidas com gelo triturado vai produzir um efeito concreto de resfriamento, se torna mais baixa com o aumento da temperatura ambiente, para todas as atividades. Na verdade, quando um exercício de alta intensidade é associado com uma alta temperatura e alta umidade do ar, uma redução na transpiração com a ingestão de água fria/gelo triturado não gera impacto algum na evaporação, porque qualquer suor adicional iria apenas escorrer da pele e a evaporação máxima possível seria atingida de qualquer forma. No entanto, as condições-limites alteram significativamente entre os eventos de esporte, devido os diferentes fluxos de ar resultantes, desencadeados pelas principais atividades esportivas. Por exemplo, o fluxo de ar através da pele é muito maior para uma determinada produção metabólica de calor para um ciclista em comparação com um corredor em uma maratona, e ainda mais em relação a um pedestre. Um fluxo convectivo maior durante o ciclismo, em última instância leva a um coeficiente de transferência evaporativa de calor maior, e ainda, uma maior condução da evaporação com o mesmo gradiente de pressão de vapor entre a pele e o ar. A umidade ambiental em que ocorrem reduções na eficiência da transpiração no ciclismo é, portanto maior que a corrida, e maior para a corrida em relação à caminhada.

E SOBRE A INGESTÃO DE ÁGUA FRIA/GELO TRITURADO”, ANTES OU APÓS O EXERCÍCIO, NA REDUÇÃO DO ARMAZENAMENTO DE CALOR CORPORAL?

Antes do exercício. Em contraste com os estudos avaliando o efeito de resfriamento da ingestão de água fria/gelo triturado durante o exercício, é evidente que consumir líquidos gelados antes do exercício é mais efetivo para reduzir a temperatura corporal. Já que o efeito de resfriamento através da ingestão de bebidas geladas é anulado por uma redução na transpiração pela superfície da pele, fica claro que elas têm melhor efeito quando ingeridas enquanto há sudorese mínima ou ausente. A literatura existente mostra que a redução na temperatura interna de ~0,5ºC surge consistentemente com a ingestão de água fria ou gelo triturado antes do início do exercício. Uma importante consideração, no entanto, é que um pré-resfriamento com bebidas geladas não deveria causar uma queda na temperatura interna além de uma zona limite (< 36,2ºC), já que isto pode ser um gatilho para a termogênese com a ocorrência de tremedeiras. Também, uma temperatura interna menor no início do exercício vai provavelmente resultar em um início tardio da transpiração, e possivelmente uma resposta vasodilatadora reduzida, provavelmente levando a maiores taxas de armazenamento de calor e aumento da temperatura interna durante os estágios iniciais do exercício, como tem sido demonstrado com outras formas de pré-resfriamento (Lee & Haymes, 1995). Contudo, a ingestão de bebidas geladas antes do exercício parece estender de maneira confiável a duração do exercício necessária, em uma determinada produção metabólica de calor, para alcançar um limite na temperatura interna crítica absoluta (Tan & Lee, 2015).

Após o exercício. Enquanto bebidas frias/com gelo triturado têm o potencial de desencadear um efeito de resfriamento durante o exercício em certas condições, o benefício relativo da ingestão de líquidos frios durante a recuperação pós-exercício pode ser maior. Está bem documentado que um declínio rápido na transpiração (redução de ~50%, em 5 minutos) ocorre assim que o exercício acaba, devido à influência de fatores não-termais (exemplo, contribuição dos barorreceptores) (Kenny & Jay, 2013). Portanto, reduzir a transpiração através da superfície da pele devido à estimulação dos termorreceptores abdominais com a ingestão de bebidas frias ou gelo triturado após o exercício, teria menos impacto no armazenamento de calor corporal porque a produção de suor é reduzida rapidamente de qualquer forma. Bebidas geladas podem ser, portanto, particularmente efetivas para atletas competindo em esportes intermitentes com intervalos regulares como, por exemplo, o tênis ou eventos estilo torneios com múltiplos jogos/partidas em um mesmo dia. Apenas um pequeno número de estudos examinou a eficácia da ingestão de líquidos gelados durante o período pós-exercício, mas Stanley et al. (2010) relatou uma temperatura retal ~0,4º C menor, em 50 minutos do pós-exercício com a ingestão de gelo triturado associado com a água fria. Lee et al. (2013) também relatou um declínio ~0,2-0,3ºC maior na temperatura interna com a ingestão pós-exercício de água a 4ºC em comparação com a água a 28ºC.

OUTRAS CONSIDERAÇÕES

Atletas que estão totalmente (praticantes de esgrima, pilotos de corridas automobilísticas), ou parcialmente (jogadores de futebol americano e hockey no gelo), cobertos por equipamentos de proteção, estão incapacitados de se adaptarem totalmente à perda de calor pela superfície da pele via alterações na sudorese, devido à evaporação pela transpiração sofrer interferência das propriedades do sistema de roupa/equipamento. Portanto, a ingestão de líquidos gelados por estes indivíduos deveria criar um maior efeito concreto de resfriamento, já que as reduções na transpiração não irão influenciar muito a evaporação pela superfície da pele, embora a troca interna de calor com a bebida gelada ingerida permaneça com eficiência de 100%. No entanto, estudos futuros são necessários para demonstrar esta teoria na prática. De maneira similar, os atletas com deficiências fisiológicas na transpiração devido a lesões na medula espinhal ou superfície da pele (exemplo, queimaduras) provavelmente também irão se beneficiar com a ingestão de bebidas frias/gelo triturado. A proporção máxima da superfície da pele que estes indivíduos podem saturar fisiologicamente com o suor, e o nível relacionado de perda evaporativa de calor, é drasticamente menor em relação aos seus colegas não lesionados (Crandall & Davis, 2010). Portanto, quaisquer reduções na transpiração com a ingestão de líquidos gelados vai provavelmente ter menor impacto na perda concreta de calor. É também possível, mas ainda não determinado, que a sudorese não seja interrompida pelo estímulo de termorreceptores abdominais com a ingestão de líquidos gelados, em alguns atletas com lesão na medula espinhal cervical ou lesão torácica.

Aplicações práticas

Uma tabela resumida detalhando os pontos práticos importantes associados com a utilização de água fria ou bebida com gelo triturado como estratégia de resfriamento, para reduzir o armazenamento de calor corporal, antes, durante e após o exercício é fornecida na Tabela 2.

 


Tabela 2. Considerações práticas para a utilização da ingestão de água fria ou gelo triturado para o resfriamento do atleta antes, durante e após a prática de exercícios no calor. 

 

Momento Considerações

Ingestão de água fria ou gelo triturado…

Antes do Exercício • Pode reduzir a temperatura interna em até ~0,5ºC; 

• Pode interferir no início da transpiração/vasodilatação quando o exercício começa; 

• Irá provavelmente aumentar a taxa de elevação da temperatura interna durante os estágios iniciais do exercício;

• Irá provavelmente estender o tempo para atingir a temperatura interna crítica absoluta em uma determina intensidade de exercício.

Durante o Exercício
  • Irá aumentar a perda interna de calor por condução, em proporção ao volume e temperatura da bebida ingerida (maior perda interna de calor com a ingestão de gelo devido à entalpia de fusão do gelo);

• Irá obter redução compensatória da transpiração através da superfície da pele; 

• Em condições secas e/ou com presença de ventilação, irá resultar em temperaturas internas similares aos líquidos mais quentes; 

• Em condições úmidas e/ou com ausência de ventilação, irá provavelmente resultar em uma temperatura interna mais baixa; 

• Se alto grau de roupas de proteção/equipamentos forem utilizados, ou se o atleta tem uma lesão que prejudique a transpiração (exemplo, lesão na medula espinhal, queimaduras), irá provavelmente resultar em uma temperatura interna mais baixa, independentemente das condições climáticas. 

Após o Exercício
  • Irá provavelmente reduzir a temperatura interna em uma taxa mais rápida durante os estágios iniciais da recuperação, já que a rápida resposta fisiológica na redução da perda de calor após o exercício ocorre devido à influência de fatores não-termais de qualquer maneira.

RESUMO

            Enquanto a ingestão de água fria e gelo triturado durante o exercício parece melhorar a performance de resistência no calor e pode ajudar um atleta a ter uma sensação de estar com temperatura mais baixa, não necessariamente ela resulta em um efeito concreto de resfriamento devido à uma redução compensatória na transpiração e no potencial de perda evaporativa de calor pela superfície da pele. No entanto, em ambientes quentes, úmidos e/ou sem presença de ventilação, a redução na eficiência do suor (exemplo, a quantidade de suor que evapora) garante que a ingestão de água fria/gelo triturado seja mais benéfica para o resfriamento, já que a troca interna de calor com o líquido ingerido permanece 100% eficiente, independentemente do clima externo. Portanto, a ingestão de água fria ou gelo triturado durante o exercício pode ser recomendada para o resfriamento de um atleta quando as condições ambientais são quentes, úmidas e na ausência de ventilação; mas não em ambientes quentes, secos e com a presença de ventilação. A ingestão de água fria e gelo triturado é provavelmente mais efetiva para o resfriamento quando administrada anteriormente ao exercício – antes que o atleta comece a suar, e/ou após o término do exercício – quando as taxas de sudorese começam a ser reduzidas. No geral, a ingestão de água fria/gelo é provavelmente mais benéfica para o resfriamento de pedestres e corredores em comparação com ciclistas, devido as grandes diferenças no fluxo de ar ao longo da superfície da pele, que altera bastante a eficiência de evaporação do suor. Atletas com deficiências fisiológicas na sudorese, como atletas lesionados na medula espinhal, assim como atletas que usam equipamentos/roupas que apresentem alto nível de resistência a evaporação (exemplo, pilotos de carros de corrida, jogadores de futebol americano) também são mais prováveis de se beneficiarem com os efeitos de resfriamento após ingestão da água fria ou bebidas com gelo triturado.

REFERÊNCIAS

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