PONTOS CHAVE: 

  • A desidratação é o processo termorregulatório de perda de fluido corporal através do suor. Ela pode levar a alterações importantes nas funções fisiológicas e queda na performance atlética durante treinos e competições em ambientes com temperaturas quentes a moderadas. 
  • A capacidade de resistência prejudicada no atleta severamente desidratado é frequentemente associada com o estresse fisiológico acentuado em diversos sistemas, órgãos e tecidos, incluindo o cérebro, coração e músculos.
  • O desgaste fisiológico inclui como resultado temperatura corporal elevada (hipertermia); hiperventilação; queda no débito cardíaco; fluxo sanguíneo reduzido aos músculos esqueléticos ativos, cérebro e pele; alterações na função cardíaca e músculos contráteis e metabolismo do cérebro, entre outros.
  • A ingestão de líquidos durante o exercício, performance de baixa intensidade e/ou em ambientes frios irão atenuar ou até mesmo prevenir os inúmeros efeitos mencionados anteriormente da desidratação na função fisiológica e desempenho nos exercícios aeróbicos. 
  • Os impactos fisiológicos e de performance da desidratação são dependentes das condições ambientais e do exercício. Estes deveriam ser considerados quando se estabelece as necessidades de reposição de líquidos para o atleta. 

 

INTRODUÇÃO

Quando as pessoas realizam exercício prolongado, elas experimentam perda significativa de líquidos corporais através do suor pela termorregulação e tornam-se progressivamente desidratadas. Se a desidratação não for atenuada pela reposição de líquidos durante o exercício, a função fisiológica e a capacidade de resistência podem ser drasticamente prejudicadas (Cheuvront & Kenefick, 2014; González-Alonso et al., 2008; Sawka et al., 2011). A extensão com que a função fisiológica global e a performance atlética são prejudicadas vai depender da relação entre o nível de desidratação, a intensidade do exercício, as condições ambientais externas e do status do treino do atleta e aclimatação ao calor. É aceito que o atleta de resistência severamente desidratado, sem aclimatação ao calor e fora de forma, irá experimentar os efeitos fisiológicos e na performance de maneira mais prejudicial. Os atletas de resistência em boa forma física, desidratados moderadamente, treinando e competindo em ambientes frios estarão no lado oposto do espectro. Apesar desta hipótese ter o suporte da literatura (e.g., Corbett et al. 2018) e ser discutida e fundamentada abaixo em relação a influência da demanda fisiológica, é reconhecido que pesquisas futuras são necessárias para o estabelecimento de como o nível de hidratação, forma física, aclimatação ao calor e condições ambientais interagem afetando diferenciadamente a função fisiológica e a performance do atleta de resistência.

 

Muitas abordagens experimentais criteriosas vêm sendo utilizadas ao longo dos anos para avançar nosso entendimento sobre os fatores fisiológicos que limitam a performance em atletas desidratados (Sawka et al., 2011). Uma abordagem discutida neste artigo do SSE é a caracterização da resposta do coração, músculos esqueléticos ativos e cérebro para estabelecer se uma “falha” em um ou todos estes sistemas de órgãos sustenta o desenvolvimento da fadiga em condições diferentes de hidratação, ambientais e de exercício (Trangmar & González-Alonso 2017, 2019). Logo, os objetivos deste artigo são: 1) primeiro caracterizar o impacto da hidratação e condições ambientais na capacidade de resistência máxima ou submáxima em atletas 2) para então descrever as consequências circulatórias e metabólicas da desidratação concomitante a hipertermia para o coração do atleta, músculos ativos e cérebro 3) finalizar com as implicações práticas da evolução futura do nosso entendimento do processo envolvido nos estágios iniciais da fadiga que ocorre no atleta desidratado. 

HIDRATAÇÃO E PERFORMANCE DO ATLETA 

Os atletas de resistência, como corredores maratonistas, geralmente adotam estratégias para competir no máximo ritmo possível que eles possam sustentar na duração do evento. Essa habilidade de sustentar um dado ritmo ou exercício de intensidade submáxima por períodos prolongados (por exemplo, capacidade de resistência submáxima) pode ser drasticamente prejudicada em certas condições ambientais causando níveis importantes de desidratação e hipertermia (Cheuvront & Kenefick, 2014; González-Alonso et al., 2008; Nybo et al., 2014; Sawka et al., 2011). As maiores dificuldades na capacidade de resistência submáxima acontecem em ambientes quentes onde os atletas têm níveis profundos de desidratação e hipertermia (Sawka et al., 2011). Isso porque as perdas de líquidos corporais devido ao suor são grandes durante o exercício prolongado moderado a intenso em ambientes com altas temperaturas (1,0–2,5 L/h) e a desidratação resultante impede a dissipação do calor (por exemplo, prejudicando as respostas do suor e do fluxo sanguíneo na pele) e causa armazenamento de calor no corpo, com aumento concomitante da temperatura corporal (por exemplo, hipertermia). Curiosamente, os atletas sentem fadiga prematuramente neste cenário, apesar do fato do metabolismo aeróbico inteiro estar preservado (O2). Este é um resultado de ajustes compensatórios na captação de oxigênio da circulação (González-Alonso et al., 1998) (Figura 1), conforme discutido na próxima sessão. O impacto da desidratação na performance do exercício submáxima é mínimo quando a temperatura ambiental é baixa (< 15°C) e as temperaturas da pele e corporal são significativamente reduzidas em comparação com ambientes úmidos e quentes (Kenefick et al., 2010). Os efeitos da desidratação interagem com aqueles da hipertermia, a magnitude desses estressores fisiológicos e, acima de tudo, as demandas funcionais do exercício precisam ser consideradas ao se fazer o prognóstico de seus impactos nas funções fisiológicas gerais e capacidade de resistência. 

Débito cardíaco (l/min)

Desidratação progressiva

Normohidratação controle 

 

Diferença a-vO2 (ml/L)

 

VO2 corpo inteiro (l/min)

 

Tempo (min)

 

Figura 1. Débito cardíaco, diferença entre oxigênio arterial sistêmico e venoso (a-vO2) e consumo de oxigênio pelo corpo inteiro (VO2) em indivíduos treinados quando normohidratados em repouso e com desidratação progressiva durante ciclismo submáximo prolongado (~210W) até a exaustão em comparação com teste controle com hidratação normal e mesma duração. Ambos os testes foram realizados  no calor com resfriamento por ventilador. *Significativamente diferente dos valores de 20 minutos, P< 0,05 Significativamente diferente do teste controle com normohidratação P<0,05. Adaptado de Gonzalez-Alonso et. al (1998).

 

 

VO2 Corpo inteiro (l/min) / Tempo (min)

Desidratação e hipertermia

Hipertermia

Desidratação

Controle

 

Figura 2. O consumo de oxigênio corporal (VO2) durante ciclismo constante (~400W) até exaustão em (1) desidratação e hipertermia combinadas, (2) hipertermia individualmente (com aumento de +1ºC e +6ºC nas temperaturas corporal e da pele, respectivamente), (3) desidratação (4% de perda de massa corporal sem hipertermia), e (4) condições controle. Redesenhado de Nybo et. al (2011).

 

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Eventos de esporte de resistência como ciclismo com vários estágios em longas estradas (ou muitos esportes de time) incluem sprints intermediários onde os atletas rapidamente aumentam sua demanda fisiológica a níveis que podem exigir força aeróbica próxima da máxima (O2max). Isto levanta questões sobre se a desidratação prejudica a função fisiológica e performance do exercício no domínio máximo do exercício aeróbico (por exemplo, exercício exaustivo que pode ser sustentado por 3-10 minutos; capacidade máxima de resistência). A magnitude das elevações nas temperaturas da pele e corporal (por exemplo hipertermia de corpo inteiro) é novamente um fator importante. Já em performances submáximas no exercício, baixos níveis de desidratação (< 3% perda de massa corporal) não comprometem consideravelmente a capacidade de resistência máxima ou o O2max em ambientes com baixas temperaturas, onde os atletas têm temperaturas corporais e da pele muito mais baixas (Cheuvront & Kenefick, 2014; Sawka et al., 2011). No entanto, quando a desidratação acontece em ambientes com temperaturas moderadas a quentes e a hipertermia de corpo inteiro se torna aparente, a quantidade de O2max e a capacidade máxima de resistência são visivelmente comprometidas (Ganio et al., 2006; Nybo et al., 2001).

Dois estudos utilizando protocolos de exercício com carga constante e excedente ilustram o impacto da hipertermia e/ou desidratação do corpo inteiro na capacidade máxima de resistência e na quantidade de O2max. Durante exercício adicional a exaustão, a O2max e a capacidade de esforço foram reduzidos em 9–12% quando os atletas estavam desidratados em 4% da sua massa corporal (por exemplo, ~3 kg em atletas com peso de 75kg) após exercício submáximo por 120 minutos no calor (Ganio et al., 2006). Ao contrário, quando a perda na massa corporal foi minimizada (por exemplo, por encurtar a duração do exercício submáximo), ou quando líquidos eram constantemente ingeridos, nenhuma queda na quantidade de O2max foi observada. Este fenômeno também é manifestado durante exercício máximo com carga constante (de 3-10 minutos) onde a demanda metabólica e muscular não alteram tão drasticamente como em exercícios com carga excedente.  Nybo e colaboradores (2001) submeteram atletas de resistência treinados a 4 períodos de ciclismo até a exaustão com ~400W num ambiente controle e num ambiente quente, precedido de 2 horas de ciclismo submáximo no calor, onde o estado de hidratação foi cuidadosamente manipulado para induzir ou uma perda de 4% de massa corporal (~3 kg em atletas com peso de 73 kg), ou um estado permanente de hidratação por ingestão de líquidos durante o exercício. A combinação da desidratação e hipertermia e hipertermia de corpo inteiro individualmente reduziu o O2max em 16% e a performance de resistência em ~52% em comparação com a condição de hidratação controle (Figura 2). É digno de nota os efeitos negativos similares da hipertermia de corpo inteiro provocada pela circulação de água quente através de uma roupa em indivíduos com hidratação normal e desidratação e hipertermia combinadas induzidas pelo exercício prolongado no calor. Os ambientes onde a maioria dos eventos de competição esportiva acontecem são diferentes das condições estressoras de calor extremo induzidas no laboratório com roupa de perfusão de água (ambiente quentes não compensáveis) (Chiesa et al. 2019). O poder aeróbico e a capacidade de resistência prejudicadas em ambientes de calor compensáveis, favorecendo um resfriamento por evaporação, é provavelmente o resultado dos efeitos negativos fisiológicos da desidratação e hipertermia. Nesse sentido, quando os atletas se exercitaram em um estado de desidratação, mas em condições frias permitindo a manutenção da baixa temperatura corporal, a queda na quantidade de O2max e capacidade máxima de resistência foram visivelmente atenuadas (6% e ~25%, respectivamente) (Nybo et al., 2001). Concluindo, os níveis de desidratação equivalentes a 3–4% de perda de massa corporal, a qual atletas frequentemente sofrem durante eventos de resistência em ambientes compensáveis com temperaturas moderadas a quentes, promovem hipertermia corporal e prejudicam a capacidade máxima e submáxima de resistência nos exercícios. Essas deficiências estão associadas com um O2 corporal submáximo inalterado, mas um O2max consideravelmente reduzido, indicando relativa intensidade aumentada durante os exercícios submáximos refletidos metabolicamente por uma dependência aumentada do glicogênio muscular e metabolismo celular (González-Alonso et al., 1999a; Logan-Sprenger et al., 2013). Em ambientes com temperaturas frias, no entanto, níveis similares de desidratação têm efeitos menores ou mínimos no metabolismo aeróbico e performance nos exercícios de resistência. 

HIDRATAÇÃO E A FUNÇÃO CARDÍACA, MUSCULOESQUELÉTICA E CEREBRAL 

A capacidade de resistência é amplamente determinada pela habilidade do atleta em manter um estado homeostático no qual os sistemas respiratório, cardiovascular, metabólico, musculoesquelético, nervoso e endócrino adequadamente suprem as demandas funcionais gerais do exercício. Isto se resume a capacidade em manter a oferta apropriada de sangue, oxigênio e nutrientes e a remoção de subprodutos do metabolismo (incluindo o calor) do coração, músculos ativos e cérebro, e todos os órgãos essenciais e tecidos no atleta de resistência. O princípio de Fick clareia os processos integrativos determinando o metabolismo aeróbico local e sistêmico, que pode ser um fator limitante determinante da capacidade de resistência em algumas condições. Este princípio afirma que a taxa de captação de oxigênio (O2) pelo corpo humano, um órgão, membro ou tecido, é igual a diferença do produto do fluxo sanguíneo e do conteúdo de oxigênio arterial-venoso (a-vO2) (Figura 3). É importante reconhecer que uma redução no fluxo não necessariamente leva na redução de O2 se a diferença a-vO2 aumentar proporcionalmente. Esta relação entre fluxo sanguíneo e metabolismo aeróbico irá, portanto, ser examinada abaixo para avaliar se o suprimento reduzido de oxigênio, e o metabolismo aeróbico pelo coração humano, músculos esqueléticos ativos e/ou cérebro poderiam explicar a fadiga antecipada e performance prejudicada no exercício aeróbico frequentemente encontrada no atleta desidratado.  

A HIDRATAÇÃO E O CORAÇÃO

Uma queda progressiva no débito cardíaco é a chave destacada no estresse cardiovascular induzido por desidratação observado durante exercício extenuante e prolongado do corpo inteiro em ambientes com temperatura moderadas a quentes (Hamilton et al., 1991; González-Alonso et al., 1995, 1998; Montain & Coyle 1992; Sawka et al., 1979). Esta resposta é prevenida com treinamentos e atletas aclimatados parcialmente ao calor mantendo hidratação normal pela ingestão de líquidos durante o exercício (Hamilton et al., 1991; González-Alonso et al., 1995, 1998; Montain & Coyle 1992) (Figura 1). Concomitante ao declínio do débito cardíaco, a taxa cardíaca aumenta continuamente, já que o volume sistólico cai em ~30% (González-Alonso et al., 1995, 1997), secundariamente  ao aumento da temperatura corporal e taquicardia e a perda do volume sanguíneo provavelmente limitando o enchimento cardíaco (Fritzsche et al., 1999; González-Alonso et al., 1997, 1999b,c, 2000). É importante ressaltar que reduções no fluxo sanguíneo sistêmico e distribuição de oxigênio não comprometem prontamente o O2 corporal submáximo no atleta de resistência desidratado por causa dos ajustes compensatórios paralelos no tecido  periférico e oxigênio dos órgãos e captação dos substratos da circulação (Figura 1). Ajustes similares têm ocorrência esperada no coração. 

 

Exercícios de resistência submáximos 

Exercícios de resistência máximos

Diff = diferença

Legs = pernas

 

Figura 3. Ilustração das consequências da desidratação e/ou hipertermia na função metabólica e cardiovascular durante exercício de resistência extenuante submáximo e máximo. Durante exercício submáximo, as reduções no débito cardíaco (Q) e fluxo sanguíneo periférico são compensados pelos aumentos nas diferenças de oxigênio arterial-venoso (a-vO2) para que o consumo de oxigênio dos membros ativos e sistêmico (VO2) sejam mantidos (Figura 1). Este não é o caso durante exercício máximo, no entanto, já que o VO2max é reduzido (Figura 2) devido ao metabolismo oxidativo muscular prejudicado (Figura 4). A fadiga é relacionada intimamente com  metabolismo aeróbico prejudicado do músculo esquelético durante exercício máximo, mas não durante exercício submáximo. A direção da flecha indica a direção da resposta e o seu tamanho indica  a magnitude da resposta. 

 

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A fadiga antecipada experimentada pelo atleta desidratado durante exercício prolongado submáximo não é portanto relacionada com a produção diminuída de energia aeróbica pelo corpo inteiro mas é fortemente relacionada com altos níveis da hipertermia e alterações nos substratos musculares e utilização de glicogênio, além do aumento no metabolismo anaeróbico muscular e ativação neural, possivelmente refletindo um desencontro entre demanda de energia e produção (González-Alonso et al. 1999a, 1999c).

Fluxo sanguíneo das pernas e débito cardíaco (l/min)

Estresse pelo calor

Controle

 

Diferença a-vO2 pernas (ml/l)

 

VO2 pernas (l/min)

 

Tempo (min)

 

Figura 4. A perfusão sanguínea das pernas em exercício (dados com linhas contínuas) e débito cardíaco (dados com linhas pontilhadas), diferença de oxigênio arterial-venoso das pernas 

(a-vO2) e resposta de consumo de oxigênio nas pernas (VO2) durante ciclismo constante com carga máxima (~360W) até a exaustão em (1) estresse pelo calor e (2) condições ambientais frias controle. *Significativamente diferente dos valores anteriores, P< 0,05 Significativamente diferente do teste controle, P<0,05. Redesenhado de Gonzalez-Alonso e Cabet (2003).

 

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Hipertermia de corpo inteiro por si só, no entanto, não reduz o volume sistólico na mesma extensão, e diversos estudos mostram que o débito cardíaco é elevado durante exercício submáximo, hipertérmico, ao invés de reduzido (Pearson et al., 2011; Rowell et al., 1969; Stöhr et al., 2011a; Wilson et al., 2009). Estes achados contrastantes sugerem que o débito cardíaco comprometido é dependente da extensão da ameaça cardiovascular induzida pela combinação do estresse provocado pela desidratação, hipertermia e exercício, que em conjunto formam a demanda funcional geral. Estudos avaliando o impacto da desidratação progressiva na hemodinâmica central e periférica (membros) no descanso e durante exercício com carga fisiológica baixa (exercício isolado dos membros) apoiam esta ideia. Exercícios com os músculos extensores do joelho seguidos de hidratação progressiva tiveram redução do volume sanguíneo (~5%) e volume sistólico diminuído (~20ml) para um grau similar ao visto no modelo de exercícios de corpo inteiro. A queda no volume sistólico foi conjunta com a queda substancial no volume final diastólico, com apenas uma pequena queda no volume final sistólico e uma elevação acentuada da taxa cardíaca (~30 batimentos/min) comparada com os valores controle (hidratados). Intrigantemente, no entanto, e em contraste com o exercício de corpo inteiro, o débito cardíaco foi mantido no descanso e durante o exercício entre todas as manipulações da hidratação (Pearson et al., 2013; Stöhr et al., 2011b). De maneira similar, a desidratação classificada de até 4–5% da perda de massa corporal não comprometeu o débito cardíaco durante o exercício no frio, onde a temperatura da pele e corporal estão significativamente reduzidas (González-Alonso et al., 2000). Portanto, as demandas fisiológicas do exercício (que podem ser substancialmente maiores do que aquelas induzidas por desidratação individualmente ou desidratação combinada com baixa intensidade do exercício) tem um papel importante na determinação da severidade do estresse cardiovascular e metabólico e em última instância nas consequências da desidratação na performance.  

A HIDRATAÇÃO E OS MÚSCULOS ESQUELÉTICOS 

 

Quando ocorre desidratação, a circulação da musculatura esquelética reflete alterações hemodinâmicas centrais no descanso e durante o exercício. No descanso, o fluxo sanguíneo para os membros está levemente, mas significativamente, aumentada com a desidratação progressiva, uma resposta mantida durante exercício submáximo de pequenos grupos de músculos (por exemplo, único exercício de extensores do joelho e da perna), apesar de perda de massa corporal considerável (~3,5%) (Pearson et al., 2013). São condições em que a tensão fisiológica geral imposta pela desidratação é relativamente pequena porque a maioria dos sistemas fisiológicos do corpo estão trabalhando substancialmente abaixo das capacidades funcionais. Ao contrário, durante exercício do corpo inteiro, prolongado, submáximo (por exemplo, ciclismo onde se utiliza ambas as pernas), a queda importante do débito cardíaco (~4L/min) está associada com uma redução de ~2L/min do fluxo sanguíneo dos membros contráteis em comparação aos exercícios no calor com hidratação normal no grupo controle (González-Alonso et al., 1998). A queda acentuada na perfusão sanguínea dos membros ativos durante exercício de corpo inteiro é compensada quando a ingestão de líquidos equivale a perda de líquidos (González-Alonso et al., 1998; Nielsen et al., 1990), e quando a hemodinâmica sistêmica está normalizada (comparada com condições controle de exercícios em posições verticais) pelo exercício em posição supino ou semi-reclinada, apesar da hipertermia significativa do corpo inteiro (González-Alonso et al. 1999b; Nielsen et al., 1993). Durante exercício submáximo na posição vertical, reduções no fluxo sanguíneo sistêmico e membros contráteis com a desidratação e hipertermia estão associadas com aumento proporcional da captação de oxigênio de maneira que o nível de O2 seja mantido (Figura 1). Este não é o caso, no entanto, durante o exercício aeróbico máximo, onde a reserva da captação de oxigênio do músculo esquelético é muito pequena para compensar grandes reduções no suprimento de oxigênio e, como resultado, o nível de O2 sistêmico e dos músculos locomotores caem com a desidratação e hipertermia, hipertermia de corpo inteiro e até mesmo durante condições controle (Figuras 2, 4). A magnitude da perda de massa corporal (desidratação) nos estudos mencionados acima, induzindo estresse fisiológico acentuado e performance, chegou ou se aproximou dos 4%. Deve-se reconhecer que atenuar a desidratação via ingestão de líquidos durante o exercício reduz a tensão fisiológica (Montain & Coyle, 1992; González-Alonso et al., 2000; Figure 5) enquanto uma desidratação mais severa poderia exacerbar tal fenômeno. Em conjunto, as respostas hemodinâmicas sistêmicas e dos membros contráteis à desidratação estão intimamente relacionadas, já que a vasoconstrição dos membros pode levar ao débito cardíaco comprometido através de reduções do retorno venoso, preenchimento ventricular esquerdo e por fim no volume sistólico. Também está claro que a grande queda na perfusão sanguínea da musculatura esquelética ativa durante exercícios extenuantes de corpo inteiro pode reduzir o suprimento de oxigênio aos músculos, o que é incialmente compensado por aumento na captação de oxigênio na fase inicial do exercício máximo e durante exercício submáximo prolongado, mas irá levar ao comprometimento do metabolismo aeróbico sistêmico e local e fadiga antecipada durante exercício máximo (Ganio et al., 2006; González-Alonso & Calbet, 2003; Nybo et al., 2001). Um aumento compensatório na produção anaeróbica de ATP pode ser sustentado apenas por um curto período devido à baixa capacidade do caminho anaeróbico de energia. Isso sugere que um descompasso entre a demanda de energia e suprimento de energia é provavelmente o fator que leva a fadiga durante exercício máximo de resistência nos atletas independentemente do estado de hidratação. 

Temperatura retal (ºC)

4,2% ou 3,1kg de perda de MC

3,0% ou 2,1kg de perda de MC

1,5% ou 1,1kg de perda de MC

0,2% ou 0,1kg de perda de MC

 

Taxa cardíaca (batimentos/min)

 

Tempo (min)

 

Figura 5. Temperatura corporal (retal) e taxa cardíaca em ciclistas treinados, aclimatados ao calor (massa corporal (MC) média de 74kg) enquanto permanecem normohidratados ou tornando progressivamente mais desidratados em 1,5%, 3% e 4,2% de perda de massa corporal durante 2 horas de exercício submáximo no calor (35ºC; 50% de umidade relativa, resfriamento por ventilador). Testes foram contrabalanceados de acordo com o nível de hidratação  e atribuídos aleatoriamente aos participantes. Note que a desidratação progressiva >2% de perda de massa corporal induz a maior hipertermia e taxa cardíaca aumentada durante a segunda hora de exercício em comparação com as condições controle e de desidratação de 1,5%. Taxas de esforço percebido após 50-70 minutos de exercício também foram maiores nas condições de desidratação de 4,2% e 3,0% em comparação com o controle e condições de desidratação de 1,5% (16,5 e 14,6 vs 13,6 escala de Borg, respectivamente). Dados do protocolo de exercício das 2 horas iniciais em Gonzalez-Alonso et. al (2000). 

 

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A HIDRATAÇÃO E O CÉREBRO 

Exercícios dinâmicos requerem a ativação no cérebro dos centros neurais motor e cardiorrespiratório. Devido ao aumento do fluxo sanguíneo cerebral, oxigênio e nutrientes, suprimentos podem ser necessários para atender uma possível maior demanda das “atividades metabólicas cerebrais” (Nybo et al., 2002; Trangmar et al., 2015), e quaisquer fatores que comprometam o fluxo sanguíneo cerebral  podem comprometer a ativação neural motor e capacidade de exercício. Em repouso, elevações na temperatura corporal de 1,5°C reduzem o fluxo sanguíneo cerebral em ~15% (Ogoh et al., 2013), enquanto a desidratação sem hipertermia concomitante eleva a perfusão sanguínea cerebral (Fan et al., 2008). A hipertermia e desidratação combinadas também alteram o fluxo sanguíneo durante diferentes tipos de exercício. Por exemplo, o fluxo sanguíneo cerebral é suprimido durante exercício individualizado (teste de tempo)/esforço, ou significativamente reduzido em ~15–25% quando hipertermia em condição não compensatória é adquirida, em comparação com a mesma atividade em um ambiente mais fresco ou com temperatura neutra (Nybo & Nielsen, 2001; Nybo et al., 2002; Périard & Racinais, 2015). A desidratação (>3% de perda da massa corporal) durante exercício prolongado em temperaturas quentes causa consequente instabilidade vascular cerebral pela aceleração do declínio do fluxo sanguíneo cerebral, concomitantemente com elevada hipertermia, hiperventilação, hipocapnia (redução no potente vasodilatador cerebral CO2), taquicardia e fadiga antecipada (Trangmar et al., 2015). Em contraste, esta redução no fluxo sanguíneo cerebral é atenuada quando a ingestão de líquidos se equivale a perda de líquidos corporais pelo suor (Trangmar et al., 2015).

O efeito da hipertermia e desidratação no fluxo sanguíneo cerebral não ocorre apenas em exercícios prolongados, já que a queda tipicamente observada no fluxo sanguíneo cerebral durante exercícios de grande intensidade é acelerada em ambientes com condições não compensatórias (por exemplo, ocorrendo numa menor taxa de esforço ou em exercícios de curta duração) (González-Alonso et al., 2004; Trangmar et al., 2017). Este também é o caso quando atletas desidratados realizam exercício adicional em ambiente quente compensatório (Trangmar et al., 2014), onde a desidratação e hipertermia concomitante reduzem o fluxo sanguíneo cerebral a valores equivalentes às condições controle, mas em exercício de menor intensidade significativamente.  As dinâmicas do fluxo sanguíneo cerebral são, no entanto, normalizadas como as condições controle quando os participantes mantêm um estado de hidratação normal (González-Alonso et al., 2004).

 

Resumindo, exercitar-se no calor, provocando hipertermia corporal severa, compromete a perfusão cerebral durante exercícios de resistência extenuantes máximos e submáximos. O desenvolvimento da desidratação aumenta o estresse vascular cerebral e acentua a queda no fluxo sanguíneo cerebral. Apesar da queda acentuada no fluxo sanguíneo cerebral, no entanto, o O2 global do cérebro não é comprometido em nenhum nível de intensidade de exercício devido a elevações compensatórias da captação de oxigênio no cérebro (Trangmar et al., 2014, 2015). E ainda, o consumo reduzido de oxigênio cerebral provavelmente não contribui com a queda máxima da força aeróbica e performance de resistência em atletas desidratados. 

APLICAÇÕES PRÁTICAS 

  • A ingestão de líquidos durante o exercício reduz o estresse fisiológico e os decréscimos na performance atlética que ocorrem com a desidratação progressiva durante os treinos e competições em ambientes com temperaturas moderadas a altas. 
  • A maioria das competições esportivas acontecem em condições ambientais que favorecem o resfriamento por evaporação, enquanto situações em que a temperatura do corpo e da pele aumenta diminuindo a performance esportiva não são tão frequentes como vistas em condições de laboratório com estresse por calor, onde o fluxo convectivo de ar é mínimo.
  • A capacidade máxima e submáxima prejudicada em ambientes compensatórios favorecendo o resfriamento por evaporação é provavelmente o resultado nos inúmeros efeitos fisiológicos da desidratação e hipertermia concomitante.  
  • A realização de exercícios com baixa intensidade e/ou em ambientes frios não apenas reduz a necessidade de reposição de líquidos, mas também diminui as consequências fisiológicas e físicas da performance em qualquer nível dado de desidratação. 
  • As necessidades de reposição de líquidos do atleta variam significativamente porque o estresse fisiológico colocado no coração, músculos ativos e cérebro diferem dependendo das condições ambientais e do exercício. 
  • Durante o treinamento e competições no calor, no entanto, o atleta de resistência provavelmente irá experimentar maior estresse fisiológico com níveis aumentados de desidratação ao invés de desidratação leve ou manutenção da hidratação normal.

RESUMO 

A desidratação severa e hipertermia prejudicam a performance de resistência máxima e submáxima. A performance no exercício aeróbico prejudicada está associada com uma infinidade de alterações na função fisiológica incluindo fornecimento de oxigênio reduzido a múltiplos tecidos e órgãos, maior dependência do glicogênio muscular e metabolismo celular, mudanças na atividade neural e em alguns exercícios e condições ambientais que exigem quase a capacidade funcional máxima, capacidade muscular e aeróbica do corpo inteiro comprometidos.  É evidente, no entanto, que o nível de desidratação, a intensidade do exercício e as condições ambientais externas determinam a extensão do comprometimento das funções fisiológicas gerais. A desidratação e hipertermia podem aumentar o fluxo sanguíneo corporal para o coração, músculos ativos e cérebro no descanso e durante exercícios de baixa intensidade. Quando a intensidade do exercício é aumentada acima de níveis moderados ou quando a duração do exercício é prolongada, o fluxo sanguíneo nos músculos dos membros contráteis, cérebro e fluxo sistêmico decaem gradualmente (Figuras 1, 2, 4). Este fluxo sanguíneo periférico diminuído tem um efeito diferente no metabolismo aeróbico local, onde o fluxo sanguíneo comprometido dos músculos ativos resulta na diminuição do O2, mas o metabolismo aeróbico do coração e cérebro fica preservado. Este O2 diminuído dos músculos esqueléticos contráteis é provavelmente o precursor da fadiga antecipada quando exercícios de alta intensidade são realizados em ambientes quentes e o atleta experimenta desidratação e hipertermia acentuada (Figura 3).

 

AGRADECIMENTOS 

O autor gostaria de agradecer todos os participantes, estudantes de pesquisa e colaboradores por suas contribuições em alguns estudos analisados neste artigo. 

REFERÊNCIAS 

Cheuvront, S.N., and R.W. Kenefick (2014). Dehydration: physiology, assessment, and performance effects. Compr. Physiol. 4:257-285.

Chiesa, S.T., S.J. Trangmar, K. Watanabe, and J. González-Alonso (2019). Integrative human cardiovascular responses to hyperthermia. In: J.D. Périard and S. Racinais (eds.) Heat Stress in Sport and Exercise. Springer, Cham. p. 45-65.

Corbett, J., R.A. Rendell, H.C. Massey, J.T. Costello, and M.J. Tipton (2018). Inter-individual variation in the adaptive response to heat acclimation. J. Therm. Biol. 74:29-36.

Fan, J.L., J.D. Cotter, R.A. Lucas, K. Thomas, L. Wilson, and P.N. Ainslie (2008). Human cardiorespiratory and cerebrovascular function during severe passive hyperthermia: effects of mild hypohydration. J. Appl. Physiol. 105:433-445.

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