PONTOS-CHAVE:

  1. Devido à maior proporção entre a área da superfície corporal em relação à massa corporal, as crianças estão mais propensas à perda de calor que os adultos em climas frios.
  2. A perda de calor extrema em crianças é particularmente aparente em atividades aquáticas devido à alta condutividade térmica da água. 
  3. Durante atividades em terra, as crianças compensam a sua grande área de superfície relativa com uma produção maior de calor metabólico e maior vasoconstrição cutânea. 
  4. Crianças pequenas, ou aquelas com pouca quantidade de gordura subcutânea, estão particularmente em risco de hipotermia e queimaduras causadas pelo frio. 
  5. O ar gelado aumenta o risco de asma induzida pelo exercício. 

INTRODUÇÃO

Tanto o calor proveniente do exercício como do ambiente induzem o estresse térmico. O efeito sinérgico destes dois tipos de calor, quando em excesso, pode prejudicar a performance física e cognitiva, causar hipertermia, e ser prejudicial para o bem-estar e saúde da criança. Ao contrário, quando o corpo é exposto a um  ambiente frio, a termogênese induzida pelo exercício irá ajudar a prevenir o resfriamento excessivo do corpo. Portanto, a hipotermia (temperatura interna de 35ºC, ou menor) tem ocorrência mais provável durante o repouso em comparação com durante o exercício. Na verdade, durante a prática de atividades físicas moderadas a intensas realizadas no frio, a taxa de produção de calor metabólico com frequência excede a taxa de perda de calor para o ambiente. O resultado concreto disto, mesmo na exposição a ambientes muito frios, é que a temperatura interna corporal frequentemente aumenta durante o exercício. Um exemplo é o hockey no gelo (MacDougall, 1979; Paterson et al., 1977), durante o qual a produção metabólica de calor da criança é tão alta que acaba desenvolvendo uma transpiração abundante, mesmo quando a criança está vestindo roupas leves.  

Este não é o caso, no entanto, quando a atividade é realizada na água. Apesar do ar ser considerado um isolante térmico eficaz, a água é um excelente condutor. O calor específico (o número de calorias necessárias para aquecer 1g de uma substância em 1) da água é aproximadamente 4.000 vezes o valor do ar, e a condutividade térmica da água é aproximadamente 25 vezes a do ar. O resultado é que a perda de calor corporal pode ser 25-30 vezes mais rápida durante a natação que durante o ciclismo, ou corrida, em temperaturas ambientais equivalentes (Nielsen, 1978). Quanto maior o gradiente da temperatura entre a pele e o ambiente, maior a taxa de perda de calor. 

Outro fator importante para se considerar é a espessura da camada de gordura subcutânea. Devido à gordura ser um isolante térmico eficaz, quanto mais grossa a camada subcutânea de gordura, melhor a preservação do calor corporal, especialmente na água (Bergh et al., 1978; Keatinge, 1978). Isto é particularmente verdade quando o fornecimento de sangue cutâneo é reduzido, diminuindo então consideravelmente a convecção de calor do interior para a parte periférica do corpo. A taxa de perda de calor corporal é então limitada pela baixa condutividade da camada de gordura.  

A taxa de perda de calor do corpo depende também da área de superfície da pele (SA). Quanto menor a pessoa, maior a SA por unidade de massa corporal. Por exemplo, uma criança com 8 anos de idade, cuja altura corporal e massa são 128 cm e 25 kg, respectivamente, tem uma proporção de SA para massa de 380 cm2/kg. Isto se compara com uma proporção de SA para massa de 280 cm2/kg, em um adulto de 20 anos de idade, com altura e peso de 177 cm e 64 kg, respectivamente. Baseando-se apenas nesta diferença geométrica, não assumindo as diferenças nas respostas fisiológicas, pode-se prever que a criança teria uma perda de calor mais rápida (por convecção, condução e radiação) em um ambiente frio em comparação com o adulto.   

REVISÃO DE PESQUISAS

O primeiro estudo que comparou as diferenças relacionadas à idade nas respostas fisiológicas ao exercício no frio mostrou que as crianças estavam em desvantagem considerável. Sloan & Keatinge (1973) monitoraram meninas e meninos de 8-19 anos de idade que nadaram em uma piscina de 20,3 em uma velocidade de 30 m/s. Eles eram todos nadadores proficientes de clubes. A taxa de resfriamento corporal foi inversamente proporcional à idade; apesar dos jovens adultos terem pouco, ou nenhum, decréscimo na temperatura oral ao final da atividade de natação, a maioria dos participantes mais novos teve um decréscimo de 2 ℃, ou mais. Além disso, os nadadores mais velhos conseguiram manter a atividade de natação por 30 minutos, mas os nadadores mais novos tiveram que ser retirados da piscina após 18-20 minutos devido ao grande desconforto relacionado ao frio. Grande parte da variação na taxa de resfriamento pode ser explicada pela proporção da AS para massa corporal e pela respectiva espessura da dobra cutânea. 

Levou quase 20 anos até que outro estudo fosse realizado comparando as respostas de crianças e adultos ao exercício realizado no frio. Smolander et al. (1992) expôs meninos com 11-12 anos de idade e homens de 19-34 anos de idade à temperatura do ar de 5 por 60 minutos. Os indivíduos usaram shorts, meias, e tênis. Primeiro eles ficaram em uma câmara fria por 20 minutos e depois pedalaram em 30% da sua captação máxima de 02 (pré-determinada) por 40 minutos. Baseando-se nos resultados anteriores por Sloan e Keatinge, os autores criaram a hipótese de que a taxa de resfriamento interno corporal seria mais rápido nas crianças que nos adultos. Os resultados foram surpreendentes; apesar dos adultos terem conseguido manter a temperatura retal por toda a exposição de 60 minutos, os meninos tiveram um leve aumento na temperatura retal. Como compensação pela sua maior proporção da SA para massa corporal (320 vs. 250 cm2/kg), os meninos tiveram uma maior produção de calor por kg de massa corporal, refletido por um maior aumento na captação de 02. Além disso, eles tiveram uma vasoconstrição periférica mais eficaz  nos braços e pernas (refletida por uma maior redução na temperatura da pele) que os homens. Esta habilidade das crianças em compensar a maior SA por unidade de massa corporal foi mostrada também em estudos nos quais crianças e homens descansaram em condições mais amenas (16-20ºC) (Araki et al., 1980; Wagner et al., 1974).

Enquanto mais pesquisas são necessárias para monitorar as respostas das crianças a diversas atividades em outras condições ambientais frias, as seguintes conclusões podem ser apresentadas: 

  1. Apesar da maior proporção de SA por unidade de massa corporal, meninos conseguem manter sua temperatura interna corporal em ambientes com temperaturas de 5 por pelo menos 1 hora, quando eles combinam repouso com exercício moderado.
  2. Quando se exercitam na água gelada (natação, polo aquático, exercício aeróbico aquático etc.), no entanto, as crianças apresentam uma nítida desvantagem na sua capacidade de prevenir a hipotermia, em comparação com adolescentes e jovens adultos. Quanto mais fria a água, maior a desvantagem.   
  3. Quanto menor a criança, mais rápida é a taxa de resfriamento corporal na água. 
  4. Mesmo que os dados não estejam disponíveis em relação à capacidade termorregulatória das crianças em ambientes com temperaturas do ar menores que 5, este autor afirma que em algumas condições ambientais críticas a habilidade da criança em compensar a sua maior proporção de SA por massa corporal será superada pelo alto gradiente de temperatura entre a pele e o ar, o que irá resultar em uma queda excessiva na temperatura interna corporal.   

CONSIDERAÇÕES RELACIONADAS À SAÚDE

Os três principais efeitos prejudiciais para as crianças praticando atividade física em condições ambientais frias são: a hipotermia, a queimadura pelo frio, e a broncoconstrição. Diversos grupos de crianças e jovens estão em particular alto risco quando expostos ao frio (Para revisão, veja Bar-Or, 1986).

Hipotermia. Os indivíduos mais propensos à hipotermia são aqueles com estado nutricional abaixo do adequado que resulta em uma camada de gordura isolante mais fina sob a pele  (Brooke, 1973). Inclusos neste grupo estão as pessoas com fibrose cística e anorexia nervosa. Pesquisas relacionadas à última condição (Davies et al., 1978; Mecklenburg et al., 1974; Wakeling & Russell, 1970) sugerem que sua baixa temperatura interna corporal média em repouso, cerca de 36 em ambientes termo-neutros, caia ainda mais quando eles descansam em um ambiente frio (e aumente durante a exposição ao calor). Como mostrado por Davies et al. (1978), o aumento na temperatura retal de pacientes com anorexia durante o exercício em 65% do V02max  é menor em relação aos controles saudáveis. Foi sugerido (Mecklenburg et al., 1974) que a deficiência citada acima na manutenção de uma temperatura interna corporal constante não apenas reflita sua baixa gordura isolante subcutânea, mas também uma disfunção hipotalâmica.  

Outro grupo que apresenta alto risco para a hipotermia é a criança com tamanho corporal pequeno. Como discutido acima, estas crianças, devido à grande razão entre a SA para massa corporal, são particularmente propensas a rápidas perdas de calor quando estão na água.

Queimadura pelo frio. Apesar de qualquer pessoa poder apresentar queimaduras nas áreas da pele expostas ao frio (principalmente bochechas, queixo, nariz e orelhas), ou mesmo aquelas que estão cobertas por roupa (principalmente pontas dos dedos, dedos dos pés, mamilos e genitália masculina), alguns indivíduos estão mais propensos às queimaduras por frio que outros. Apesar de não haver dados epidemiológicos sobre a prevalência de queimaduras por frio em crianças de diferentes idades, devido à sua maior vasoconstrição periférica, elas podem ser mais propensas que adolescentes e jovens adultos. Além disso, há indivíduos que apresentam um fluxo sanguíneo cutâneo inadequado, principalmente nas extremidades. Apesar desta condição ser mais prevalente entre os adultos e idosos, às vezes ela ocorre em adolescentes, especialmente mulheres.

Broncoconstrição. Outra anormalidade induzida pelo frio é a broncoconstrição, principalmente entre pacientes com asma. A inalação de ar frio aumenta a perda respiratória de calor, que é o principal gatilho para a broncoconstrição em crianças e jovens asmáticos praticando atividade física (Bar-Or, 1983). Esta perda de calor é amplificada consideravelmente devido ao aumento significativo da ventilação.

IMPLICAÇÕES PRÁTICAS

Os potenciais efeitos prejudiciais da prática de exercícios no frio em crianças saudáveis são todos possíveis de serem prevenidos. Os seguintes passos são recomendados: 

  1. Sempre que possível, a temperatura da água para crianças que praticam natação deve ser mais quente (em 1-2oC) em comparação à temperatura para os adultos
  2. Durante a prática de natação, deve-se permitir que as crianças saiam da água a cada 15-20 minutos para evitar a hipotermia.
  3. Especialmente as crianças pequenas e magras devem ser supervisionadas com atenção. 
  4. Devido à sensação de frio ser bastante desagradável, é provável que a criança que sinta frio na água queira sair da piscina. Contudo, é possível que um jovem atleta altamente ambicioso possa ignorar estas pistas dadas pela sensação do desconforto pelo frio, e opte por não sair da água a não ser que seja solicitado. 
  5. Na natação de longas distâncias em água fria, uma camada de 1-2 mm de lanolina ou vaselina deve ser aplicada por toda a pele. 
  6. Utilize diversas camadas de roupas secas para as atividades realizadas em condições próximas ou abaixo de 0 . Proteção específica deve ser utilizada nos dedos dos pés e das mãos. Em qualquer situação em que o fator de arrefecimento pelo vento for 15-20 ℃, ou menor, a face da criança deve ser coberta.
  7. A boca e o nariz das crianças com asma devem ser cobertos com máscara cirúrgica, ou cachecol, quando se exercitando em temperaturas frias do ar (10 ou menores). Desta forma, a bolsa extra de ar criada irá ajudar a manter o ar inalado úmido e quente (Schachter et al., 1981 ). Enquanto a inalação pelo nariz ao invés da boca também aumenta a umidade e a temperatura do ar inalado, esta não é uma estratégia prática durante atividades moderadas a intensas, porque a alta taxa de fluxo de ar necessária não poderá ser acomodada através da respiração nasal.   
  8. A criança com asma deve ser aconselhada a reduzir a intensidade do esforço em atividades externas em dias frios.

RESUMO

Devido à maior razão entre a área de superfície da pele para massa corporal das crianças, suas taxas de perda de calor corporal são mais rápidas que as dos adultos. Quando a criança se exercita em ambientes frios (com temperaturas do ar tão baixas quanto 5 ), esta desvantagem é compensada pela maior vasoconstrição periférica e maior produção metabólica de calor. Contudo, quando a criança está imersa na água, a alta condutividade térmica da água induz perdas corporais de calor muito altas pela condução de calor. Isto pode resultar em hipotermia, especialmente quando a criança é pequena e magra. A maior vasoconstrição periférica nas extremidades da criança é um potencial fator de risco para queimaduras pelo frio. O ar frio pode facilitar a asma induzida pelo exercício. 

SUPLEMENTO

RESPOSTAS DAS CRIANÇAS AO EXERCÍCIO EM CLIMAS FRIOS: IMPLICAÇÕES PARA A SAÚDE 

CONTEXTO INTRODUTÓRIO

Apesar das respostas fisiológicas das crianças ao exercício serem semelhantes às dos adultos, há algumas diferenças importantes relacionadas à idade e maturação nas suas respostas. Isto fica aparente, por exemplo, quando o corpo está tentando prevenir o resfriamento excessivo (hipotermia) durante a prática de exercícios em condições ambientais frias. A taxa de perda de calor pelo corpo depende da área da superfície corporal em contato com o ambiente. Crianças têm uma área de superfície corporal maior que os adultos, quando calculada por unidade de massa corporal, expressa em m2/kg. Como resultado, quanto menor a criança, maior o risco de perda excessiva de calor. Isto é especialmente importante quando o exercício é realizado na água, um excelente condutor de calor. Em contraste, durante exercícios realizados em terra, as crianças compensam esta área de superfície maior pelo aumento da produção metabólica de calor e pela redução do fluxo sanguíneo em direção à pele. O resultado final é que em temperaturas do ar de 5 °C, ou maior, as crianças mantêm suas temperaturas internas corporais de maneira adequada enquanto se exercitam em intensidades leves a moderadas. Mais pesquisas são necessárias em relação à performance da criança em baixas temperaturas do ar. Porque a gordura é um excelente isolante, a espessura do tecido de gordura sob a pele afeta o sucesso da criança na prevenção da perda de calor excessiva – quanto mais espessa é a camada de gordura, maior é a proteção.  

IMPLICAÇÕES PRÁTICAS

Para prevenir a hipotermia, as crianças que nadam ou praticam esportes na água devem ser encorajadas a sair da água periodicamente. Se possível, a temperatura da água deve ser mantida mais quente (em 1-2 °C) para crianças do que a temperatura da água para adultos. Em natação de longas distâncias ou em águas frias, aplique uma camada fina de lanolina ou vaselina na pele da criança. Quando o exercício é realizado em condições frias, utilize várias camadas de roupas e tente evitar molhar as roupas. Para prevenir a queimadura pelo frio, preste atenção especial em cobrir os dedos dos pés e das mãos e o rosto. Crianças com asma devem ser estimuladas a vestir um cachecol ou máscara cirúrgica na boca e nariz quando se exercitam ao ar livre em um dia frio. 

REFERÊNCIAS

Araki, T., J. Tsujita, K. Matsushita, and S. Hori (1980). Thermoregulatory responses of prepubertal boys to heat and cold in relation to physical training. J. Human Ergol. 9: 69-80.

Bar-Or, O. (1983). Climatic conditions and their effect on exercise-induced asthma – a review. In: S. Oseid and A.M. Edwards (eds.) The Asthmatic Child in Play and Sports. London: Pitman, pp. 61-73.

Bar-Or, O. (1986). The exercising child in heat and cold stresses. Chapter 10 (77). In: V.C. Kelley (ed.) Practice of Pediatrics. Philadelphia: Lippincott Co, 1986.

Bergh, U., B. Ekblom, I. Holmer, and L. Gullestrand (1978). Body temperature response to a long swimming race. In: B. Eriksson and B. Furberg (eds.) Swimming Medicine IV Baltimore: University Park Press, pp. 342-344.

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Nielsen, B. (1978). Physiology of thermoregulation during swimming. In: B. Eriksson and B. Furberg (eds.). Swimming Medicine IV Baltimore: University Park Press, pp. 297-303.

Paterson, D.H., D.A. Cunningham, D.S. Penny, M. Lefcoe, and S. Sangal (1977). Heart rate telemetry and estimated energy metabolism in minor league ice hockey. Canad. J. Sports Sci. 2: 71-75.

Schachter, E.N., E. Leach, and M. Lee (1981). The protective effect of a cold weather mask on exercise-induced asthma. Ann. Allergy 46: 12-16. Sloan, R.E.G., and W.R. Keatinge (1973). Cooling rates of young people swimming in cold water. J. Appl. Physiol. 35: 371-375.

Smolander, J., O. Bar-Or, O. Korhonen, and J. Ilmarinen (1992). Thermoregulation during rest and exercise in the cold in pre- and early-pubes-cent boys and young men. J. Appl. Physiol. 72: 1589-1594.

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Wakeling, A., and G.EM. Russell (1970). Disturbances in the regulation of body temperature in anorexia nervosa. Psychol. Med. 1: 30-39.