PONTOS-CHAVE:

  • É demonstrado que a desidratação com um déficit de massa corporal > 2% prejudica a performance específica ao futebol, incluindo sprints intermitentes de alta intensidade e habilidade em dribles. A desidratação é prevalente em jogadores de futebol, especialmente quando o treino ou competição, acontece em condições ambientais quentes. 
  • Com frequência, jogadores de futebol começam o treino/partida em um estado de desidratação, conforme indicado por medidas da gravidade específica da urina. 
  • No futebol, as oportunidades para a ingestão de líquidos durante a partida são raras; portanto uma estratégia de hidratação eficaz é necessária.

INTRODUÇÃO

O futebol é um esporte coletivo, caracterizado pelas sessões repetitivas de curta duração com sprints de alta intensidade em um contexto de resistência que também requer a manutenção de habilidades específicas ao longo de toda a partida. A duração da partida de 90 minutos, mais o tempo extra (conforme necessário), é dividida em dois tempos de 45 minutos com um intervalo de 15 minutos entre eles (Kirkendall, 2000). A distância percorrida por um jogador de futebol durante uma partida regular varia de ~8 a 13 km. A variabilidade na distância é devida a diversos fatores incluindo o nível de condicionamento físico do jogador, a posição do jogador no time, o nível da partida, a estratégia tática utilizada e as condições ambientais (Da Silva et al., 2012; Duffield et al., 2012; Maughan et al., 2007; Mohr et al., 2012). O gasto de energia médio estimado dos jogadores de futebol durante um jogo regular é de 16 kcal/min, correspondendo em média a um consumo de oxigênio (VO2max) de 75% do máximo por um jogador (Bangsbo et al., 2006; Bangsbo, 2014). Estas altas taxas de atividade estão associadas a grande quantidade de produção de calor metabólico, com ~75-80% da energia sendo convertida em calor na musculatura em atividade (Shirreffs et al., 2005). Em altas temperaturas (maiores que a temperatura da pele, que é de ~33°C em repouso e chega a até ~36°C durante o exercício), o ganho de calor a partir do ambiente é adicionado à carga de calor já existente no corpo. Durante o exercício, o principal mecanismo pelo qual o calor é perdido pelo corpo é a evaporação do suor pela superfície da pele. Apesar deste mecanismo ser essencial para controlar a temperatura interna corporal, isto leva a uma desidratação induzida pela transpiração (Maughan et al., 2007). A desidratação é um processo de perda de água corporal e geralmente é descrita em termos de alterações na massa corporal durante o exercício agudo. Por exemplo, uma desidratação de 2% é definida como um déficit de água igual a 2% da massa corporal. Embora a transpiração termorregulatória seja a principal fonte de perda de massa corporal durante o exercício acentuado, existem outros fatores contribuintes; incluindo as perdas de vapor de água e dióxido de carbono (produzido via oxidação de substratos) através do ar expirado. Além disso, o ganho de água corporal ocorre através da produção metabólica de água e a dissociação da água do glicogênio. Embora as pequenas alterações de massa corporal devido à respiração e o metabolismo possam ser estimadas, por razões práticas, na maioria dos estudos normalmente assume-se que 1 kg de perda de massa corporal representa ~1 l de perda de água. Para mais discussões sobre o tópico das metodologias de avaliação da hidratação, o leitor é direcionado a outros artigos do Sports Science Exchange (Stachenfeld, 2013) e revisões (Maughan et al., 2007; Sawka et al., 2007). 

A ingestão de líquidos é claramente a única maneira de repor as perdas de suor e, portanto, reduzir a magnitude da desidratação. No futebol, as oportunidades para a ingestão de líquidos são limitadas ao intervalo do meio do jogo ou uma pausa não planejada durante a partida, por exemplo, um jogador lesionado recebendo assistência médica. Curiosamente, desde a realização da Copa do Mundo de Futebol em climas mais quentes, como o Brasil em 2014 e o Catar em 2022, o conselho diretivo da Associação Internacional de Futebol (FIFA) alterou o regulamento envolvendo as oportunidades para a ingestão de líquidos pelos jogadores. Particularmente, dois intervalos para o “resfriamento” (~1 min 30s de duração) são oferecidos ao jogador após 30 minutos do primeiro e segundo tempo de jogo, quando as temperaturas excedem 31°C (site da FIFA). Portanto, os jogadores devem trabalhar em conjunto com o nutricionista do time para desenvolver uma estratégia de hidratação adequada para otimizar estas oportunidades e evitar a desidratação significativa, especialmente quando jogando em climas quentes.

Os objetivos desta revisão são 1) fornecer um panorama do efeito da desidratação na performance no futebol, 2) discutir as práticas atuais de hidratação dos jogadores de futebol para determinar as principais questões comuns em relação à hidratação que precisam ser abordadas e 3) recomendar estratégias práticas de hidratação que podem ser implementadas pelos técnicos e treinadores para garantir que os jogadores estejam bem hidratados antes, durante e após os treinos e partidas. 

EFEITO DA DESIDRATAÇÃO SOBRE A PERFORMANCE NO FUTEBOL 

A performance do futebol depende de muitas facetas da função física, incluindo a resistência, força, rendimento e habilidades específicas do esporte. A desidratação pode ter um impacto negativo na performance de resistência, especialmente quando a desidratação é combinada com o estresse térmico. Apesar de alguns indivíduos poderem ser mais ou menos sensíveis à desidratação, o nível de desidratação necessário para induzir danos na performance se aproxima de uma redução > 2% na massa corporal (Sawka et al., 2007). A força muscular e a performance anaeróbica provavelmente são menos afetadas pela desidratação (Ali & Williams, 2013; Cheuvront & Kenefick, 2014). Alguns autores defendem que as reduções na massa corporal (desidratação) durante uma atividade que envolve sustentar o próprio peso, como o futebol, pode ser vantajosa para a produção de força e para a altura do salto vertical (Viitasalo et al., 1987). No entanto, não há evidências para respaldar esta noção. Por exemplo, em um estudo, uma redução na massa corporal em 2,5%  induzida por diurético não teve efeitos na performance em sprints e na força (Watson et al., 2005). Da mesma maneira, não houve associação entre a redução na massa corporal e a altura do salto vertical (Watson et al., 2005), sugerindo que a desidratação não fornece vantagens para as atividades com sustentação do próprio peso como o futebol. 

McGregor et al. (1999) foi o primeiro a testar os efeitos da desidratação na performance específica no futebol. Neste estudo, as taxas de percepção de esforço (escala RPE, sigla em inglês) foram maiores em direção ao fim dos 90 minutos do Teste de Corrida Loughborough (LIST) (13-20°C, 57% de umidade relativa do ar) quando nenhum líquido foi fornecido aos jogadores (resultando em uma desidratação de 2,5%), em comparação com a condição de oferta de líquidos (resultando em uma desidratação de 1,4%) (Figura 1, painel A). Da mesma forma, uma desidratação de 2,5% reduziu os tempos nos sprints ao final do Teste LIST em comparação com a desidratação de 1,4% (Figura 1, painel B). Este estudo também mostrou que a performance nas habilidades específicas do futebol (habilidade em dribles) apresentou um decréscimo de 5% antes do Teste LIST em comparação com depois do teste com a desidratação de 2,5%, mas foi mantida com a desidratação de 1,4%. Em conjunto, os resultados deste experimento sugerem que a desidratação de 2,5% da massa corporal aumenta a percepção de esforço (escala RPE) e prejudica a atividade de sprints e dribles no futebol ao final dos 90 minutos de exercício intermitente de alta intensidade. Contudo, a desidratação de 2,5% não teve impacto nos resultados do teste de concentração mental dos jogadores de futebol ao final do teste LIST. 

Figura 1. A) Taxas de percepção de esforço (escala Borg) durante cada bloco de 15 minutos do teste LIST. F= teste com líquido ( ), NF = teste sem líquidos ( ). **P < 0,01 NF vs. F. B) Tempo médio sprint (s) durante cada bloco de 15 minutos do teste LIST. ° P < 0,05 vs. F. Adaptado de McGregor et al., J Sports Sci. 17, 895-903; 1999.

Em um outro estudo, Edwards et al. (2007) demonstrou que a performance após a partida (90 minutos; 21-24 °C, 55% de umidade relativa do ar) do Teste de Recuperação Intermitente (YYRT: Yo-Yo Intermittent Recovery Test) foi prejudicada quando não foram fornecidos líquidos aos jogadores (levando a uma desidratação de 2,4%) em comparação com quando houve o fornecimento de líquidos (levando a uma desidratação de 0,7%). Curiosamente, um outro ensaio experimental foi o protocolo com enxágue bucal onde os jogadores lavaram a boca com água pura em um volume correspondente à 2 ml/kg de peso corporal, sem ingerir o líquido. O enxágue bucal correspondeu a uma desidratação de 2,1%, o que também reduziu a distância total percorrida pelos jogadores de futebol durante o teste YYRT. Além disso, a percepção de esforço RPE foi significativamente maior na condição não-líquidos em comparação com os testes com enxágue bucal e ingestão de líquidos. Outro aspecto interessante deste estudo foi que no teste de ingestão de líquidos os jogadores consumiram uma quantidade de líquidos correspondente à 80% da perda de líquidos inicialmente estimada, com a reposição acontecendo em momentos que replicam as oportunidades para reidratação durante o jogo de futebol real. Este protocolo resultou em uma perda de massa corporal de apenas 0,7%, logo representando uma possível estratégia para evitar a desidratação considerável nos jogadores de futebol. 

Mais recentemente, Owen et al. (2013) examinou o efeito da desidratação nas habilidades específicas ao futebol (passes e chutes) e na performance de corrida intermitente de alta intensidade após o protocolo LIST de 90 minutos em uma condição ambiental amena (19 °C, 59% de umidade relativa). Apesar das diferenças na ingestão de líquidos (sem líquidos, à vontade e volume prescrito) e a desidratação (2,5%, 1,1% e 0,3%, respectivamente), as habilidades específicas do futebol e a performance em exercícios intermitentes de alta intensidade foram semelhantes após o teste LIST. Estes resultados estão em desacordo com as pesquisas anteriores que demonstraram que a desidratação afeta negativamente a performance em sprints e em habilidades do futebol (Edwards et al., 2007; McGregor et al., 1999). As explicações para os resultados contraditórios podem estar relacionadas ao tipo de performance utilizada no teste. O teste de performance nas habilidades em McGregor et al. (1999) consistiu em driblar a bola por entre cones, enquanto em Owen et al. (2013) o teste envolveu passar e chutar a bola. Contudo, é difícil retirar conclusões sólidas de apenas 3 estudos específicos ao futebol. Mais pesquisas são necessárias para clarear os efeitos da desidratação em seus vários aspectos na performance no futebol. 

Em um estudo onde a ingestão de líquidos à vontade foi permitida, a distância total percorrida e o número de corridas de alta intensidade dos jogadores de futebol foram significativamente reduzidos quando a partida foi disputada no calor (43°C, 15% de umidade relativa) em comparação à condição controle (21°C, 55% de umidade relativa); com uma redução mais expressiva na segunda metade da partida (Mohr et al., 2012). Neste estudo, a taxa de transpiração foi maior quando a partida foi realizada no calor (4,1 ± 0,1 l/h) do que quando foi realizada em condição climática amena (2,6 ± 0,1 L/h). Contudo, os jogadores ingeriram mais líquidos quando a partida foi realizada em clima quente (2,6 ± 0,2 L) do que quando foi realizada em clima ameno (1,1 ± 0,1 L), resultando em um grau de desidratação semelhante entre as condições (quente = 1,9%; amena = 1,8%). Logo, este estudo mostrou os efeitos negativos do estresse térmico na performance no futebol, quando os estados de hidratação foram relacionados. Mais trabalhos são necessários para o melhor entendimento dos efeitos conjuntos da desidratação e do estresse térmico na performance no futebol.  

O estresse cardiovascular pode ser um mecanismo importante pelo qual a desidratação e/ou o estresse térmico comprometem a performance no futebol. Já que o volume sanguíneo total é reduzido pela desidratação, menos sangue e oxigênio podem estar disponíveis para a musculatura esquelética e para a pele para ajudar a termorregulação. Outros mecanismos podem envolver a função do sistema nervoso central alterada, função metabólica alterada ou a combinação das duas condições. O mecanismo exato pelo qual a desidratação prejudica a performance, particularmente a performance de habilidades específicas aos esportes, é atualmente desconhecido. O leitor é direcionado para as revisões realizadas por Cheuvront et al. (2010) e Cheuvront & Kenefick (2014) para uma discussão mais detalhada dos possíveis mecanismos. 

BALANÇO HÍDRICO: PRÁTICAS ATUAIS DE HIDRATAÇÃO DOS JOGADORES DE FUTEBOL 

O balanço hídrico corporal acontece principalmente em função da ingestão de líquidos do indivíduo (prática de hidratação) relacionada às suas perdas de líquidos (transpiração) durante os treinos ou competições. Eletrólitos, principalmente o sódio, também são perdidos pelo suor. A reposição de eletrólitos está relacionada com a hidratação porque repor as perdas de sódio aumenta a retenção do líquido ingerido (Shirreffs & Sawka, 2011). Anteriormente a 2009, a literatura sobre o balanço hídrico e eletrolítico em jogadores de futebol era relativamente limitada. Isto era parcialmente causado por problemas associados com uma obtenção precisa de dados em campo, mas ainda mais relacionada à relutância dos técnicos em permitir qualquer intervenção que poderia distrair os jogadores das suas preocupações imediatas com o resultado da partida (Maughan et al., 2007). Recentemente, no entanto, houve um aumento no número de estudos publicados sobre o balanço hídrico e eletrolítico em ambos os jogadores de futebol do sexo masculino (Duffield et al., 2012; Shirreffs et al., 2005; Williams & Blackwell, 2012;) e feminino (Gibson et al., 2012; Kilding et al., 2009), e até mesmo em árbitros de futebol (Da Silva et al., 2011; Da Silva & Fernandez, 2003).

Estudos relataram perdas de suor e eletrólitos durante os treinos (Duffield et al., 2012; Gibson et al., 2012; Kilding et al., 2009; Shirreffs et al., 2005; Williams & Blackwell, 2012) ou partidas (Da Silva et al., 2012; Maughan et al., 2007). Normalmente, a metodologia inclui a coleta de uma amostra de urina pré-partida/treino para determinar a gravidade específica da urina (USG), ou osmolaridade da urina, após o registro da massa corporal pré-exercício. Em estudos onde a composição eletrolítica do suor é determinada, adesivos absorventes de suor são colocados em diversos locais do corpo dos indivíduos após a pele ser completamente limpa com água deionizada e seca. Após este procedimento, garrafas contendo líquidos (exemplo, bebida esportiva e/ou água pura) identificadas com os nomes dos jogadores são pesadas antes de um determinado treino ou jogo. Os jogadores são instruídos a ingerir líquidos apenas de suas garrafas pessoais, não descartar qualquer conteúdo de líquido e não enxaguar suas faces com a água das garrafas. Eles também são instruídos a urinar em um recipiente, se necessário, durante o treino/partida para que a perda de massa possa ser considerada para os cálculos da taxa de suor. Após a atividade, os adesivos de suor são removidos e o corpo é seco antes do registro da massa corporal pós-partida/treino. Finalmente, as garrafas são pesadas novamente para que o volume consumido durante o treino ou partida possa ser calculado e considerado para os cálculos da taxa de suor. Este método é utilizado para determinar a taxa de suor, a ingestão de líquidos ad libitum e o percentual de alteração na massa corporal (como, o balanço hídrico), e ajudar a identificar aqueles jogadores com grandes perdas de sódio pelo suor que podem precisar de atenção especial em relação à reposição de sódio (Shirreffs et al., 2006).

Jogadores do Sexo Masculino 

A desidratação é uma ocorrência comum em jogadores de futebol (Aragón-Vargas et al., 2009; Arnaoutis et al., 2013; Da Silva et al., 2012). Por exemplo, Arnaoutis et al. (2013) avaliou o estado de hidratação de 107 jogadores de futebol jovens (idade de 13 ± 2 anos, variação de 11-16 anos) durante treinamentos no calor (27-29 °C, 54-61% de umidade relativa do ar). Com base nas amostras da primeira urina da manhã, 89% dos jogadores estavam desidratados (USG > 1,020 g/ml). Após o treino, 96% dos jogadores estavam desidratados com base na USG, apesar do acesso total dos jogadores aos líquidos. Em um outro estudo, jogadores de futebol começaram uma partida em um estado de desidratação (USG > 1,020 g/ml) e terminaram a partida com um nível médio de desidratação pós-jogo de 3,4% (35 °C, 35% de umidade relativa do ar) (Aragón-Vargas et al., 2009). Resultados semelhantes foram observados em uma partida oficial dos jogadores juvenis brasileiros de futebol (Da Silva et al., 2012). Como mostrado na Tabela 1, a magnitude da desidratação parece ser influenciada pelas condições ambientais, já que os níveis de desidratação tendem a ser maiores em climas quentes e menores em climas frios/amenos. Contudo, é provável que outros fatores também contribuam com a taxa de perda de suor e com a magnitude da desidratação, como a intensidade do exercício e até mesmo as roupas utilizadas (Aragón-Vargas et al., 2009). Ainda, outros fatores como o conhecimento/educação sobre a hidratação, provavelmente podem impactar na ingestão de líquidos e na ocorrência da desidratação em jogadores de futebol.  Pela nossa experiência, os jogadores de futebol profissionais normalmente não prestam atenção aos seus hábitos de hidratação diariamente. Um estudo observou que enquanto jogadores jovens de futebol estavam geralmente conscientes sobre a importância da hidratação, eles falhavam em traduzir este conhecimento em estratégias práticas de hidratação bem-sucedidas (Decher et al., 2008).

As perdas de suor dos jogadores de futebol foram relatadas em diversos estudos (Da Silva et al., 2012; Duffield et al., 2012; Maughan et al., 2007; Mohr et al., 2012). Maughan et al. (2007) descreveu as perdas de suor em jogadores de futebol durante partidas reais em temperaturas de 6-8°C. Apesar da temperatura ambiental fria, as perdas de suor variaram de 820 ml até 2.270 ml após os 90 minutos de partida. Além de demonstrar que a perda de suor é altamente variável entre os jogadores, é possível concluir que uma quantidade significativa de líquido pode ser perdida através da transpiração mesmo quando a partida é realizada em clima frio. 

Mais recentemente, Da Silva et al. (2012) avaliou as perdas de líquidos e a ingestão de líquidos de jogadores de elite brasileiros durante partidas oficiais. Eles não mostraram relação entre o volume total de suor perdido durante a partida e o volume de líquido ingerido. Este resultado indica que aqueles que transpiram mais não necessariamente consomem mais líquidos ad libitum, o que reforça a necessidade de um plano de hidratação individualizado para evitar a desidratação significativa. Outro resultado interessante neste estudo foi que os jogadores consumiram líquidos para repor apenas ~50% das suas perdas de suor resultando em desidratação de 1,6% ± 0,7% (veja Tabela 1). Outros estudos relataram que os jogadores de futebol apenas repuseram cerca de ~50% do líquido perdido durante treinos e competições (Aragón-Vargas et al., 2009; Shirreffs et al., 2006) indicando que depender da sensação de sede para a ingestão de líquidos pode não ser suficiente para prevenir uma desidratação significativa (veja a Figura 2).

Figura 2. O balanço hídrico em jogadores de futebol profissionais (média ± DP; n = 17) resultando em desidratação de 3,4%. Adaptado de Aragón-Vargas et al., Eur. J. Sports. Sci. 9(5):269-276; 2009.

Perda de Suor//Ingestão de Líquidos

Jogadores do Sexo Feminino

Há um número cada vez maior de mulheres jogando futebol ao redor do mundo. Contudo, a informação sobre o balanço hídrico e eletrolítico em mulheres que jogam futebol é limitada a alguns estudos durante os treinos; nenhum dado está disponível durante uma partida de futebol real (Gibson et al., 2012; Kilding et al., 2009). Um estudo comparou a resposta de jogadoras de futebol em duas sessões de treinos diferentes em dois dias diferentes (Kilding et al., 2009). Os resultados são relatados na Tabela 1. Resumindo, a taxa de suor e perdas de eletrólitos foram pequenas durante um treino específico de futebol em condições frias. Mais recentemente, um outro estudo mediu o balanço hídrico e de sódio em mulheres jogadoras do futebol juniores durante um treino em ambiente frio (Gibson et al., 2012). Os resultados deste estudo também estão resumidos na Tabela 1. Um resultado interessante deste estudo foi que 45% das 34 mulheres jogadoras de futebol se apresentaram para o treino em um estado de desidratação (USG > 1,020 g/ml). No entanto, as taxas de suor e perdas de sódio durante o treino foram baixas, confirmando o estudo de Kilding et al. (2009). Apesar destes resultados estarem em concordância com os estudos iniciais, sugerindo que mulheres têm menores perdas de eletrólitos e de suor que os homens (Bar-Or, 1998), mais estudos, particularmente no calor e durante uma partida real, são necessários. 

Árbitros 

Um árbitro e dois assistentes (homens de linha) supervisam o jogo de futebol. A distância percorrida por um árbitro durante uma partida varia de ~9 até 11 km e a frequência cardíaca média é de ~165 batidas/minuto (Catterall et al., 1993; Johnston et al., 1994). Consequentemente, a demanda física imposta a um árbitro é quase tão grande quanto a observada em jogadores de futebol de elite. É razoável, portanto, especular que os árbitros estão em risco de desenvolverem uma desidratação induzida pela transpiração tanto quanto os jogadores de futebol. Poucos estudos foram realizados com árbitros e assistentes. Da Silva e Fernandez (2003) investigaram seis árbitros e seis assistentes durante seis partidas diferentes realizadas em condições ambientais amenas (20 ± 1°C, 77 ± 4% de umidade relativa do ar). Os árbitros perderam 1,2 ± 0,1 kg, correspondendo a 1,6 ± 0,1% de suas massas corporais pré-jogo. Os assistentes de árbitro perderam 0,5 ± 0,1 kg de suas massas corporais, correspondendo a 0,6 ± 0,2% de suas massas corporais pré-jogo. Um resultado interessante foi que os árbitros apresentaram uma redução significativa de ~4% no volume plasmático, enquanto os assistentes tiveram um aumento não significativo de 2,5%. Enquanto a desidratação pode ter influenciado uma maior redução no volume plasmático observado nos árbitros, é provável que a suposta maior distância percorrida pelos árbitros em comparação com os assistentes poderia exacerbar as alterações relatadas no volume plasmático. 

Em um outro estudo, o mesmo grupo de pesquisadores investigou o efeito das alterações do estado de hidratação na performance dos árbitros (Da Silva et al., 2011). Dez árbitros foram avaliados durante três partidas oficiais (23 ± 1°C, 67 ± 4% de umidade relativa). Em uma partida, os participantes foram solicitados a consumir água mineral ad libitum, enquanto nas outras partidas eles consumiram um volume prescrito (pré-determinado) de água mineral ou uma solução contendo carboidratos e eletrólitos, correspondente a 1% do valor de referência de sua massa corporal (0,5% antes da partida e 0,5% durante o intervalo). Quando a água mineral foi ingerida ad libitum, os árbitros apresentaram uma desidratação de 2,0 ± 0,2%. A redução na massa corporal foi significativamente atenuada para 1,3 ± 0,2% de desidratação quando os árbitros consumiram o volume prescrito de água mineral e 1,0 ± 0,2% quando consumiram o volume prescrito da solução com carboidratos e eletrólitos. Um sistema de gravação em tempo real foi utilizado para determinar a distância total percorrida assim como a distância coberta por caminhadas, corridas, sprints e corridas de costas. O consumo da solução com carboidratos e eletrólitos foi associado ao menor tempo gasto em atividades de menor velocidade (como, jogging) e maior tempo gasto com as atividades mais intensas (como, corridas de costas). Contudo, diferenças mínimas nas atividades foram encontradas entre os testes de ingestão ad libitum (2,0% de desidratação) e com prescrição (1,3% de desidratação) de água mineral. Estes resultados indicam que a implementação de uma estratégia de hidratação em oposição à ingestão ad libitum em árbitros de futebol pode ajudar a prevenir uma desidratação significativa (perda > 2% de massa corporal). Contudo, mais trabalhos são necessários para determinar o efeito da desidratação em relação aos níveis de atividade dos árbitros, assim como outros aspectos da arbitragem no futebol, como o estado de alerta e a tomada de decisão.

TABELA 1. Observações de perdas de suor, ingestão voluntária de líquidos e níveis de desidratação. 

Estudo n/Nível do Jogador/Sexo  Tipo de Atividade, Duração/Ambiente  Perda de  Suor (ml) Ingestão de Líquidos (ml) Desidratação (% MMC)
Aragón-Vargas et al. 2009 17 profissionais 

Homens

Partida oficial, 90-min / 35 ± 1°C, UR = 35 ± 4 4448 ± 1216 1948 ± 954 3,4 ± 1,1
Da Silva & Fernandez, 2003 6 árbitros e 6 assistentes 

Homens

Jogo, 90-min / 20 ± 1°C, UR = 77 ± 4% Árbitros: 1600 ± 130

Assistentes: 790 ± 190

Árbitros: 320 ± 60

Assistentes: 250 ± 90

Árbitros: 1,6 ± 0,1

Assistentes: 0,6 ± 0,2

Da Silva et al. 2011 10 árbitros

Homens

Jogo, 90-min/ 23 ± 1°C, UR = 67 ± 4 % 2140 ± 190 480 ± 90 2,0 ± 0,2
Da Silva et al. 2012 15 profissionais juvenis 

Homens

Partida oficial, 90-min / 31 ± 2°C, UR = 48 ± 5% 2240 ± 630 1120 ± 390 1,6 ± 0,8
Duffield et al. 2012 13 profissionais

Homens

Simulação de Jogo, 100-min / 27 ± 0.1, UR = 65 ± 7% 2600 ± 600 1166 ± 333 3,4 ± 0,7
Gibson et al. 2012 34 profissionais juvenis

Mulheres

Treino, 90- min/ 10 ± 3°C, UR = 63 ± 12% 690 ± 430 200 ± 20 0,8 ± 0,7
Kilding et al. 2009 13 profissionais

Mulheres

Dois treinos de futebol, 90-min cada / T1: 14 ± 1°C, UR = 71 ± 3%; T2: 6 ± 1°C, RH = 74 ± 3% T1: 730 ± 270

T2: 660 ± 270

T1: 450 ± 250

T2: 379 ± 142

T1: 0,6 ± 0,5

T2: 0,5 ± 0,5

Maughan et al. 2007 20 profissionais

Homens

Amistoso, 90-min / 6-8°C, UR = 50-60% 1680 ± 400 840 ± 470 1,1 ± 0,6
Shirreffs et al. 2005 26 profissionais

Homens

Treino, 90-min / 32 ± 3°C, UR 20 ± 5% 2193 ± 365 972 ± 335 1,6 ± 0,6
Williams & Blackwell, 2012 21 profissionais juvenis 

Homens

Treino, 100- min / 11 ± 1°C, UR = 50 ± 3% 1167 ± 662 807 ± 557 0,5 ± 0,5

Os valores são as medias ± o desvio padrão. MMC = massa magra corporal, UR = umidade relativa do ar, T1 = Treino 1, T2 = Treino 2. 

Reidratação Pós-Exercício 

A reidratação é uma parte importante do processo de recuperação pós-exercício. Se os jogadores acumularam um déficit de massa corporal, eles devem ter como objetivo a reposição completa das perdas de líquidos e eletrólitos anteriormente ao início do próximo treino ou partida. Se a desidratação é severa (> 5% da massa corporal) ou a rápida reidratação é necessária (< 24 h antes do próximo treino ou jogo), a recomendação é ingerir ~1,5 l de líquidos para cada 1 kg de massa corporal perdido (Shirreffs & Sawka, 2011). Na maioria das outras situações, a água e o sódio podem ser consumidos de acordo com as práticas de hidratação e alimentação normais, sem urgência.  Consumir uma bebida com sódio ou ingerir lanches/alimentos contendo sódio ajuda a repor as perdas de suor, estimula a sede e retém os líquidos ingeridos (Shirreffs & Sawka, 2011).

RESUMO

Demonstrou-se que a desidratação de > 2% do déficit de massa corporal prejudica a performance específica no futebol, incluindo os sprints intermitentes de alta intensidade e habilidade em dribles. Os jogadores de futebol e árbitros normalmente consomem líquidos o suficiente para repor ~50% das perdas de líquidos durante os treinos e jogos, o que pode resultar em desidratação ≥ 2%, especialmente em condições ambientais mais quentes. Adicionalmente, é frequentemente observado que os jogadores de futebol começam o treino ou partida já em um estado de desidratação, provavelmente como resultado de uma desidratação cumulativa das sessões anteriores de treinamentos. Portanto, a ingestão de líquidos no dia a dia pode ser tão importante quanto as estratégias de ingestão de líquidos durante as competições. 

ESTRATÉGIAS PRÁTICAS

  • A educação sobre a importância da ingestão de líquidos para a performance dos jogadores de futebol é fundamental e deve começar nas fases iniciais de suas carreiras.
  • Utilize o gráfico da coloração da urina antes dos treinos e partidas para identificar os jogadores que estão desidratados. Cor amarelo-clara (como limonada) indica um bom estado de hidratação. Considere utilizar também a gravidade específica da urina (USG). A USG maior que 1,020 g/ml indica desidratação. 
  • Monitore alterações na massa corporal durante treinos e partidas em diferentes condições ambientais para determinar a taxa de suor individual e os hábitos de hidratação. Isto vai ajudar a identificar os jogadores que estão em risco de desidratação significativa. 
  • Individualize a estratégia e hidratação baseada na taxa de suor específica de cada jogador e as preferências de ingestão de líquidos (como, o tipo de bebida e o sabor, para promover a ingestão de líquidos voluntária). 
  • Os jogadores devem ingerir líquido o suficiente durante os treinos/partidas para prevenir a desidratação > 2%. Uma estratégia para atingir esta meta no futebol é encorajar os jogadores a consumir líquidos durante qualquer intervalo ou parada de jogo. A ingestão de líquidos de maneira excessiva em relação às perdas de suor também deve ser evitada. 
  • Considere implementar estratégias de hidratação para os árbitros de futebol, já que eles também podem apresentar uma desidratação considerável durante as partidas. 
  • Após o exercício, se a desidratação for severa (> 5% da massa corporal), a reidratação rápida é necessária (exemplo, < 24 horas antes do próximo treino ou partida), consuma ~1,5 l de líquidos para cada 1 kg de massa corporal perdida. 
  • Consumir uma bebida com sódio ou lanches/alimentos contendo sódio ajuda a repor as perdas de sódio pelo suor, estimular a sede e reter o líquido ingerido. 

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