PONTOS-CHAVE:

  • Existem poucas recomendações nutricionais desenvolvidas especificamente para atletas do sexo feminino, e a maioria das recomendações são baseadas em estudos com atletas do sexo masculino. 
  • O ciclo menstrual pode afetar as estratégias nutricionais ideais para a performance, mas ciclos menstruais podem ser bastante variados.
  • As atletas devem primeiramente se preocupar em atingir a disponibilidade de energia adequada, o que garante abastecimento adequado para a realização dos exercícios e para o funcionamento homeostático e fisiológico basais. 
  • A baixa disponibilidade de energia pode se manifestar como deficiência de energia relativa no esporte (RED-S), um grande grupo de sintomas que podem afetar negativamente inúmeros sistemas fisiológicos e a performance atlética.
  • Sinais de deficiências nutricionais são razões para uma avaliação médica realizada por um médico esportivo ou de atenção primária. Envolver um nutricionista esportivo também pode ser benéfico à atleta. 

 

INTRODUÇÃO 

Sinais de deficiências nutricionais são razões para uma avaliação médica realizada por um profissional da medicina esportiva ou de atenção primária. Envolver um nutricionista esportivo também pode ser benéfico à atleta.  

Atletas têm sido bombardeados com recomendações nutricionais de muitas fontes. As mídias sociais forneceram uma plataforma para que muitas pessoas pudessem promover programas nutricionais específicos com a intenção de melhorar o psicológico e a performance de indivíduos, frequentemente informações sem base científica ou conhecimento básico sobre o assunto. Estes programas podem, na verdade, ser prejudiciais à saúde ou performance do atleta. Atletas do sexo feminino são particularmente vulneráveis a conselhos nutricionais duvidosos e inexatos, já que até 47% das atletas apresentam risco de ingestão calórica inadequada para suas necessidades (Ackerman et al., 2019; Bratland-Sanda & Sundgot-Borgen, 2013). Infelizmente, pesquisas científicas específicas para as mulheres são escassas, levando possivelmente a uma aplicação incorreta dos resultados de estudos realizados com indivíduos do sexo masculino em atletas do sexo feminino (Costello et al., 2014). Particularmente, o ciclo menstrual é uma consideração fisiológica específica às mulheres que causa alterações hormonais previsíveis, porém irregulares, nas atletas e contribui com a hesitação relacionada ao desenvolvimento de estudos específicos às mulheres. Para uma discussão detalhada destas considerações, os leitores são direcionados a uma revisão recente de Elliott-Sale e colaboradores (2021). A conclusão é que, embora o número de participação das mulheres nos esportes rivalize com o de homens, a complexidade e os gastos necessários para estudar as mulheres podem contribuir para a escassez de pesquisas. 

Este artigo do Sports Science Exchange irá revisar as recomendações nutricionais para atletas do sexo feminino a partir de diversas perspectivas. Primeiro, iremos discutir as necessidades energéticas para as atletas e os efeitos negativos quando essas necessidades não são atingidas. Depois, iremos estabelecer um modelo de complexidade e personalização crescentes para atingir essas necessidades nutricionais em atletas mulheres. Finalmente, iremos fornecer recomendações iniciais para atletas do sexo feminino. Este artigo visa fornecer recomendações práticas para as atletas, técnicos, médicos e quaisquer outros membros que fazem parte da equipe da atleta.   

DISPONIBILIDADE DE ENERGIA 

A consideração nutricional mais básica para atletas é o fornecimento suficiente de energia para abastecer a prática de atividade física, tanto diariamente como também com uma perspectiva de longo-prazo. Os principais meios para quantificar a concretização e cumprimento desta necessidade são o balanço energético (BE) e a disponibilidade energética (DE). O balanço energético é simplesmente a diferença entre as calorias consumidas em um dia e as calorias gastas em um dia (consistindo na taxa de metabolismo basal, efeito termogênico dos alimentos, e efeito termogênico da atividade realizada). Enquanto classicamente considerado um processo estático, o BE é na verdade mediado por inúmeras interações dinâmicas complexas (Holtzman & Ackerman, 2019; Thomas et al., 2016). A disponibilidade de energia, por outro lado, é definida como a quantidade de energia que pode ser utilizada para processos fisiológicos e homeostáticos após a contabilização da energia utilizada para o gasto energético do exercício (EEE) e é a medida preferencial para a definição do estado de energia de atletas (Thomas et al., 2016). Matematicamente, a DE é calculada da seguinte maneira: uma DE de ~45 kcal/kg de massa magra corporal/dia é tida como ideal para a manutenção do tamanho e massa corporal, e permite o desenvolvimento de habilidades esportivas secundárias (Loucks, 2013). Uma DE > 45 kcal/kg MMC/dia possibilita o aumento da massa corporal, hipertrofia muscular e carga de carboidratos, enquanto uma DE de 30–45 kcal/kg MMC/dia irá resultar na perda de massa corporal (Loucks, 2013). Classicamente, uma DE < 30 kcal/kg MMC/dia foi definida como uma “baixa DE” (Loucks et al., 1998), apesar de recentemente a existência deste limiar ter sido questionada (Ackerman & Misra, 2018).

DEFICIÊNCIA DE ENERGIA RELATIVA NO ESPORTE (RED-S)

Enquanto útil para a pesquisa em ciências do esporte, monitorar a DE em atletas em suas próprias vidas é desafiador. Consequentemente, atletas do sexo feminino podem não saber que estão apresentando DE inadequada até que comecem a manifestar sintomas de insuficiência energética. As inúmeras possíveis consequências para a saúde e performance que podem surgir de maneira secundária à baixa DE é conhecida como deficiência de energia relativa no esporte (RED-S) (Mountjoy et al., 2018). A RED-S é uma expansão da tríade da mulher atleta bem descrita, com baixa DE, saúde óssea reduzida e disfunção menstrual (De Souza et al., 2014) e supõe que as atletas podem apresentar disfunção em diversos sistemas fisiológicos devido à deficiência de energia e que a sintomatologia pode ser única em cada atleta. As possíveis consequências para a saúde e os efeitos na performance da RED-S são mostrados na Figura 1. 


Figura 1. Consequências para a saúde (esquerda) e efeitos na performance (direita) da RED-S. Adaptado de Constantini (2002), com permissão. 

Tradução da Figura:

Esquerda: Gastrointestinal/ Imunológica/Função menstrual/Tríade/ Saúde óssea/ Endócrina/ Metabólica/ Hematológica/ Crescimento & Desenvolvimento/ Psicológica/ Cardiovascular

Direita: Redução da performance de resistência/ Maior risco de lesão/ Menor resposta aos treinamentos/ Julgamento prejudicado/ Menor coordenação/ Menor concentração / Irritabilidade/ Depressão/ Menor estoque de glicogênio / Menor força muscular 

Infelizmente, muitos dos sintomas iniciais da RED-S são vagos e podem ser facilmente atribuídos a causas diferentes ao invés da deficiência de energia. Adicionalmente, atletas que mantêm um nível razoável de performance apesar da deficiência de energia provavelmente estão operando com uma redução leve da DE. Consequentemente, suas doenças podem não aparecer totalmente até muitos meses ou anos de acúmulo de deficiência energética. É, portanto, primordial que todos os interessados no sucesso da atleta mantenham um alto padrão de suspeita para RED-S quando houver o aparecimento de diversas queixas, aparentemente incongruentes. Possíveis manifestações das consequências para a saúde são apresentadas na Tabela 1. 

Tabela 1. Sinais e sintomas observáveis em cada sistema fisiológico ocorridos devido à RED-S. Adaptado de Mountjoy et al. (2014; 2015; 2018), com permissão. 

Tradução da figura:

Consequências da RED-S para a saúde Sinais e sintomas observáveis
Função Menstrual Ciclos menstruais irregulares

Redução da menstruação

Falha em atingir a menarca aos 15 anos de idade

Saúde Óssea Lesões ósseas por estresse recorrentes

Fratura traumática ao menor esforço

Endócrina Sintomas de hipotireoidismo
Metabólica Redução da taxa metabólica de repouso
Hematológica Deficiência de ferro (+/- anemia)
Crescimento &Desenvolvimento Atraso na curva de crescimento
Psicológico Mudanças no humor
Cardiovascular Bradicardia

Hipotensão Ortostática

Gastrointestinal Constipação/inchaço abdominal

Diarreia

Muitos movimentos intestinais por dia

Imunológica Maior frequência de doenças

O diagnóstico e tratamento de RED-S vai além do escopo desta revisão. Se uma atleta é suspeita de apresentar sinais e sintomas da RED-S, ela deverá ser avaliada por um médico especialista em medicina esportiva. Assim como em todos os campos da medicina, o melhor tratamento para a RED-S é a prevenção. Uma atleta em risco para deficiência de energia se beneficiaria do trabalho em conjunto com um nutricionista esportivo para otimizar sua ingestão nutricional de acordo com seu nível de atividade física. Infelizmente, há muitas barreiras aos atletas que visitam nutricionistas: custos, cobertura do seguro e disponibilidade, para citar alguns exemplos. Atletas podem se sentir perdidos sem saber o que fazer para estabelecer estratégias razoáveis, baseadas em fatos para alimentar suas jornadas atléticas e paixões. 

 RECOMENDAÇÕES NUTRICIONAIS PARA ATLETAS DO SEXO FEMININO 

ESTABELECENDO A HIERARQUIA DAS NECESSIDADES NUTRICIONAIS 

Para ajudar a superar as lacunas em relação à disparidade entre as informações encontradas na internet e as recomendações personalizadas de especialistas, nós propomos uma hierarquia das necessidades nutricionais para atletas mulheres (Figura 2). Recomendamos que as necessidades de cada nível (a partir do mais baixo) da pirâmide seja atingido de preferência sequencialmente, antes de ascender ao próximo nível da hierarquia. Incentivamos as atletas a se concentrarem em estabelecer uma base nutricional sólida antes de uma personalização mais aprofundada.   


Figura 2. Proposta de hierarquia das necessidades nutricionais e considerações para atletas do sexo feminino. Ao desenvolver um plano nutricional, as atletas devem tentar satisfazer todas as necessidades nos níveis mais baixos da pirâmide, antes de passar às etapas mais acima.          

Tradução da Figura:

(Baixo para cima) – Disponibilidade de energia e hidratação/ Macro e micronutrientes/ Ingestão energética pré, durante e após o exercício/ Intensidade e duração do exercício/ Tipo de exercício/ Hormônios endógenos/ Hormônios exógenos/ Outros efeitos relativos à idade/ Individualização


Cada nível mais acima da hierarquia necessariamente é sustentado por um nível mais abaixo. Por exemplo, uma atleta pode ter atingido suas necessidades de DE e garantido que exista uma distribuição razoável de macronutrientes e também ingestão adequada de micronutrientes. A partir disso, ela pode estabelecer o momento da ingestão de diferentes componentes alimentares baseando-se em seu padrão de exercícios para aquele dia. Uma atleta que ainda precisa otimizar sua ingestão de macro e micronutrientes, no entanto, deve focar primeiro em atingir essas necessidades na base do diagrama antes de fazer um plano com horários para nutrientes específicos. Em alguns casos, a maior adesão e comprometimento da atleta podem ser alcançados pelo desenvolvimento de planos nutricionais que focam em aumentar a ingestão calórica pré e pós a prática de exercícios para melhorar a DE em geral. Isto é normalmente alcançado sob a orientação de um nutricionista esportivo que irá criar um plano individualizado.  

Sugerimos que as atletas se adaptem ao avanço gradual em seus planos nutricionais da mesma forma que os planos de treinamento são graduados. À medida que a atleta se torna mais adaptada em relação à sua nutrição (e aos seus treinos), ela pode prosseguir para um nível acima na hierarquia, em direção à personalização máxima. Iundar uma atleta menos experiente com muitas recomendações específicas pode deixá-la exaurida e resultar na falta de adesão, semelhante a como avançar em um plano de treinamento muito rapidamente, o que pode causar lesões. Para todas as atletas, o melhor plano nutricional é aquele que ela pode seguir. 

MEDIAÇÃO MENSTRUAL

Recentemente, o ciclo menstrual se tornou foco de particular interesse como um mediador do exercício e dos efeitos nutricionais. Um ciclo menstrual normal é caracterizado por aumentos e quedas do estradiol e da progesterona, dependendo da fase do ciclo. Os níveis de estradiol têm pico no final da fase folicular e novamente no meio da fase lútea, enquanto a progesterona apresenta pico no meio da fase lútea. O pico de estrogênio no final da fase folicular induz a liberação hipotalâmica do hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH) e os picos posteriores induzem a liberação hipofisária do hormônio luteinizante (LH) e do hormônio folículo-estimulante (FSH). O “aparecimento do LH” causa a ovulação.  No final da fase lútea do ciclo menstrual, os níveis de estradiol e progesterona declinam, após seus picos no meio da fase lútea, e esta redução nos níveis hormonais, particularmente da progesterona, causa a menstruação.

O estrogênio é um hormônio anabólico, e de interesse para as atletas, que aumenta a força muscular e a densidade mineral óssea (BMD) (Baltgalvis et al., 2010; Lowe et al., 2010). Devido às flutuações mensais nos níveis de estrogênio, o alinhamento dos momentos dos treinos e da nutrição com estas alterações hormonais recebeu atenção como sendo uma maneira de melhorar a performance. Além disso, a manipulação do ciclo menstrual com hormônios exógenos legalmente aceitos (por exemplo, contraceptivos orais) fornece uma oportunidade teórica para otimização. Muitas atletas utilizam contraceptivos orais na quantidade padrão (Martin et al., 2018). Os contraceptivos orais podem ter um efeito negativo insignificante na performance do exercício, e não há diferenças na performance do exercício entre as fases de consumo e de suspensão da utilização típica do contraceptivo oral (Elliott-Sale et al., 2020). A utilização de contraceptivos orais e outros hormônios exógenos, no entanto, complica posteriormente o monitoramento das flutuações hormonais naturais e as pesquisas sobre a mediação menstrual na performance atlética.  

Pouco se sabe sobre os efeitos precisos do ciclo menstrual na performance e como a alteração das estratégias nutricionais, dependendo da fase menstrual, pode atenuar qualquer possível dano. Desenhos ruins de estudos científicos, o tamanho pequeno de amostras e o custo dos estudos, são todos fatores que contribuíram para esta falta de conhecimento do assunto. O estrógeno gera a economia de proteínas, e estudos com intensidades aeróbicas mostraram que mulheres utilizam mais lipídios e menos carboidratos e proteínas que homens  (Devries et al., 2006; Oosthuyse & Bosch, 2012; Wallis et al., 2006). O estrógeno pode também inibir a gliconeogênese, e, no meio da fase lútea (quando os níveis de estrógeno são altos), atletas do sexo feminino utilizam menos glicogênio muscular durante o exercício em comparação com a fase folicular e quando comparadas aos atletas do sexo masculino. Desta forma, aumentar a ingestão de carboidratos durante a fase lútea pode ajudar a superar esta deficiência (Devries et al., 2006; McNulty et al., 2020). Atletas do sexo feminino, no entanto, são mais propensas a ciclos menstruais irregulares (oligomenorreia), ciclos menstruais ausentes (amenorreia), e ciclos menstruais avariados (exemplo, ciclos anovulatórios, defeito na fase lútea) (Redman & Loucks, 2005). Como pouco se sabe sobre como a performance se altera durante o ciclo menstrual (McNulty et al., 2020), gerar recomendações nutricionais generalizadas é difícil. Nós recomendamos que a mulher que se exercita garanta uma ingestão calórica adequada para ter ciclos regulares e que utilize uma abordagem personalizada baseada em fatores qualitativos para ajustar seus planos nutricionais aos seus ciclos menstruais.

MACRONUTRIENTES

Proteínas, carboidratos e gorduras são os três macronutrientes consumidos na dieta. Cada um deles tem um papel específico na prática de exercícios. A proteína é importante para o anabolismo muscular e outros processos anabólicos. Os carboidratos são rapidamente disponibilizados como fonte de energia e podem ser repostos durante sessões prolongadas de exercícios. A gordura é utilizada para fornecer energia em exercícios aeróbicos de longa duração. A diversidade na ingestão de macronutrientes irá naturalmente conferir uma diversidade na ingestão de micronutrientes. O Colegiado Americano de Medicina Esportiva recomenda que mulheres que praticam atividade física consumam 1,2-2 g/kg/dia de proteínas (Thomas et al., 2016). No entanto, níveis mais altos de progesterona  podem aumentar a necessidade de proteínas durante a fase lútea do ciclo menstrual devido às altas taxas de catabolismo proteico (Oosthuyse & Bosch, 2010).

O carboidrato é o macronutriente que gera maior preocupação nos momentos antes, durante e após o exercício físico. Infelizmente, a maioria dos estudos que servem de base para o desenvolvimento das estratégias de ingestão de carboidratos foram conduzidos em atletas do sexo masculino (Rehrer et al., 2017). Em intensidades de exercício > 50% do consumo máximo de oxigênio (VO2max), as taxas de gliconeogênese são maiores na fase folicular do que na fase lútea do ciclo menstrual (Campbell et al., 2001; Zderic et al., 2001). Consequentemente, a performance no exercício pode ser prejudicada durante a fase folicular, e este dano pode ser atenuado pelo consumo de um lanche rico em carboidratos 3 a 4 horas antes do exercício (Rehrer et al., 2017). O consumo de carboidratos durante o exercício de resistência (endurance) é dependente do tempo de duração da atividade: para sessões com duração de 1-2,5 horas, 30-60 g/hora de carboidratos pode melhorar a performance, e para durações > 2,5 horas, alguns dados sugerem que consumir   > 90 g/hora de carboidratos pode melhorar a performance (Thomas et al., 2016). Curiosamente, as recomendações de carboidratos durante os exercícios não são baseadas em peso. Após o exercício, os atletas são recomendados a consumir ≥ 1,2 g/kg/hora de carboidratos por 4-6 horas. Por outro lado, a adição de proteínas em uma proporção de 4:1 (carboidratos: proteínas) pode auxiliar na recuperação quando a quantidade recomendada de carboidratos não puder ser atingida na ingestão anterior (Kerksick et al., 2017). Estratégias específicas para a recuperação serão, em parte, ditadas pelo tempo até a próxima sessão de exercícios. 

A “Carga de carboidratos” pré-competição – isto é, aumentar a ingestão de carboidratos nos dias anteriores às competições de resistência – é uma estratégia nutricional comum empregada pelos atletas de todos os níveis. Mulheres oxidam mais gorduras e menos carboidratos que os homens nas mesmas intensidades relativas de exercício, novamente confundindo a interpretação e aplicação de muitos estudos que foram principalmente conduzidos com atletas do sexo masculino (Tarnopolsky, 2000). Para eventos com duração < 90 minutos, não é necessária uma carga específica de carboidratos e os estoques de glicogênio podem ser repostos com o consumo regular de 7-10 g/kg/dia de carboidratos (Burke et al., 2011). Quando uma atleta está competindo em um evento com duração ≥ 90 min, consumir 10–12 g/kg/dia de carboidratos por 36-48 horas antes da competição pode melhorar a performance (Burke et al., 2011; Thomas et al., 2016). A fase do ciclo menstrual pode afetar as estratégias de ingestão: consumir 8,4–9 g/kg/dia de carboidratos no meio da fase folicular aumenta os níveis de glicogênio mas não foram mostrados melhorando a performance. Uma carga na fase lútea tem pouco efeito ou nenhum efeito nos estoques de glicogênio, e as alterações na performance ainda não estão claras (McLay et al., 2007; Walker et al., 2000). Não é conhecido se estes efeitos estão presentes com a utilização de contraceptivos orais.

As recomendações para o consumo de gorduras não foram estudadas em relação ao ciclo menstrual. Recomendações atuais sugerem que as atletas devem consumir ao menos 20% das suas calorias como gorduras (Thomas et al., 2016). Digno de nota, as vitaminas A, D, E, e K são lipossolúveis e a ingestão inadequada de gorduras pode resultar em insuficiência destas vitaminas. 

MICRONUTRIENTES

Os micronutrientes incluem as vitaminas e os minerais consumidos na dieta e que são necessários para a função celular. A baixa DE pode causar deficiências de micronutrientes. Especialmente as atletas mulheres são propensas à deficiência de ferro, cálcio e vitamina D, mesmo com uma DE adequada. As recomendações para a ingestão destes micronutrientes são mostradas na Tabela 2. 

Tabela 2. Recomendações para a ingestão de micronutrientes e notas relacionadas. 

Tradução da Figura:

Micronutriente Ingestão recomendada Notas
Ferro
  • Meninas 14-18: 15mg/dia
  • Mulheres: 19-50: 18 mg/dia
  • O ferro de fontes animais (ferro heme) é melhor absorvido que o de fontes vegetais (ferro não-heme)
  • A ingestão concomitante à vitamina C melhora a absorção; o cálcio atrapalha a absorção. 
  • Atletas em risco: dietas restritivas, esportes envolvendo corrida,  atletas de endurance, atletas com fluxo menstrual intenso
  • Tratamento da deficiência: avaliação por um médico esportivo e nutricionista esportivo para descartar outras causas orgânicas; tratamento específico varia dependendo da severidade
Cálcio
  • Atletas em alto risco: 1500mg cálcio elementar/dia
  • Atletas em baixo risco com idade < 19 anos: 1300 mg de cálcio elementar/dia
  • Atletas em baixo risco com idade > 19 anos; menopausa: 1000 mg de cálcio elementar/dia
  • A vitamina D melhora a absorção
  • A ingestão habitual é melhor avaliada por recordatório alimentar
  • O cálcio deve ser consumido em doses divididas 500 mg
  • Muitos suplementos de cálcio são fortificados com vitamina D
Vitamina D
  • 1000-2000 UI de vitamina D/dia
  • Deficiência normalmente definida como 25 OH vitamina D < 20 ng/ml
  • Meta para proteção óssea: 25 OH vitamina D > 30 ng/ml
  • Suplementação necessária varia de acordo com a época do ano, localização geográfica,  e exposição solar
  • Vitamina lipossolúvel

 

APLICAÇÕES PRÁTICAS 

  • Os planos nutricionais devem avançar dos pontos mais simples aos complexos, à medida que uma atleta se torne mais adaptada. 
  • Uma consulta com um nutricionista esportivo pode identificar deficiências nutricionais e melhorar a qualidade dos planos. 
  • A disponibilidade de energia adequada é a base para a boa saúde e performance da atleta. 
  • Evidências para personalizar as recomendações nutricionais de acordo com a fase do ciclo menstrual estão apenas começando. Para a maioria das atletas, alterar a nutrição baseando-se em fatores qualitativos (como o inchaço) é suficiente até que tenhamos um conhecimento mais completo. 

CONCLUSÃO

À medida que a participação de mulheres nos esportes continua a crescer ao redor do mundo, a falta de recomendações esportivas específicas às mulheres e as pesquisas com considerações nutricionais para a saúde e performance passaram a ser foco dos interessados no sucesso de atletas do sexo feminino. Muitas recomendações atuais são baseadas em estudos realizados com atletas do sexo masculino e estas recomendações podem não levar em consideração a fisiologia da mulher, como o ciclo menstrual, a utilização de hormônios contraceptivos, fatores de risco para lesões, tamanho e composição corporal. No entanto, fornecemos um panorama do atual estado de evidências para as estratégias nutricionais e também recomendações para promover a saúde e a performance em atletas mulheres. As possíveis causas para as deficiências nutricionais são inúmeras e qualquer preocupação ou sinal de deficiência deve levar ao atendimento por um médico esportivo ou de atenção primária. 

Os pontos de vista expressos neste artigo são dos autores e não necessariamente refletem a posição ou políticas da PepsiCo, Inc. Os autores agradecem a Rose K. Kelly por sua fundamental assistência científica. 


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