PONTOS-CHAVE:

  • Apesar de permanecer na lista de substâncias proibidas da Agência Mundial Antidoping, a utilização da cannabis é consideravelmente relatada entre os grupos de atletas, tanto para uso recreativo como para objetivos relacionados à performance. 
  • As moléculas exclusivas da cannabis são conhecidas como canabinoides, cada uma delas exercendo diversos efeitos por meio dos receptores canabinoides. 
  • A cannabis pode ser consumida de diferentes maneiras, com o método de consumo e a composição canabinoide da substância, modulando seus efeitos. 
  • Atualmente, há poucas evidências relevantes em relação aos efeitos fisiológicos da cannabis durante a prática de exercícios, ou o seu impacto na performance. 
  • Para entender os efeitos de curto e longo prazo da cannabis na performance humana existe a necessidade de investigações direcionadas e bem controladas, específicas aos atletas, e com apresentação de resultados relacionados à performance. 
  • Atualmente, não está claro se a cannabis é uma substância ergogênica, ergolítica ou se não apresenta nenhum efeito significativo na performance.  

INTRODUÇÃO

A cannabis é uma das substâncias recreativas mais amplamente utilizadas no mundo, perdendo apenas para o álcool (Escritório das Nações Unidas de Drogas e Crime, 2020). Com um número crescente de governos legalizando o seu uso recreativo, a aceitação popular da cannabis está aumentando e os estudos científicos sobre a influência da administração da cannabis no funcionamento psicológico e fisiológico estão se expandindo para incluir aplicações para além da medicina. Isto inclui as possíveis aplicações para a performance atlética, mas os casos empíricos a favor ou contra a utilização da cannabis nos esportes permanecem incertos devido às barreiras regulatórias, que têm limitado o seu estudo (Haney, 2020).

A UTILIZAÇÃO DA CANNABIS

Enquanto há uma escassez no respaldo científico para a combinação da utilização da cannabis com a prática de exercícios, relatos do seu uso entre atletas são comuns (Brisola-Santos et al., 2016; Lorente et al., 2005; Peretti-Watel et al., 2003). Isto inclui tanto o uso recreativo da cannabis, assim como o consumo com a intenção de obtenção de vantagem competitiva. Há evidências de longa data de que a cannabis tenha a capacidade de alterar a fisiologia cardiorrespiratória em repouso (Jones, 2002; Ribeiro & Ind, 2016), o que alimenta a especulação de que a cannabis poderia também afetar a capacidade de exercício. Além disso, os efeitos psicológicos conhecidos do uso da cannabis, incluindo a sua influência no ânimo, na ansiedade, na recuperação, na tomada de decisões e no controle motor poderiam ter implicações na performance esportiva (Close et al., 2021; Kvålseth, 1977; Lorente et al., 2005). Dados recentes, em entrevista com quase 50.000 atletas com idades e habilidades variadas, mostraram que quase 25% dos entrevistados relataram ter utilizado alguma forma da cannabis no último ano (Docter et al., 2020). Padrões recentes da utilização entre os atletas estão associados com o tipo de esporte (incluindo esportes individuais vs. coletivos), níveis de competição, gênero e características demográficas (Brisola-Santos et al., 2016; Lorente et al., 2005; Peretti-Watel et al., 2003). Notavelmente, há também uma relação entre o uso da cannabis como droga recreativa e as chances de buscar a sua utilização para melhorar algum aspecto da performance esportiva (Lorente et al., 2005). A alta prevalência do uso da cannabis, tanto por atletas quanto pela população em geral, necessita de ações educativas sobre a sua utilização para estes indivíduos e também para técnicos e cientistas (esportivos). Enquanto há problemas muito reais em torno da adequação, segurança e ética do uso da cannabis nos esportes, o foco deste artigo do Sports Science Exchange é explorar os efeitos do uso da cannabis e de um dos seus canabinoides mais abundantes, o delta-9-tetraidrocanabinol (THC), na fisiologia humana e na performance do exercício. A utilização do canabidiol (CBD), outro canabinoide de destaque, que não é mais uma substância banida pela Agência Mundial Antidoping (WADA), é abordada em um artigo complementar com respeito às alegações, evidências, prevalência e às questões de segurança (Close et al., 2021).

CANNABIS E CANABINOIDES

A cannabis contém mais de 100 moléculas gênero-específicas, conhecidas como fitocanabinoides (Amin & Ali, 2019). Enquanto é possível que cada uma delas influencie a fisiologia humana de alguma forma, as duas moléculas mais extensamente estudadas e relevantes são o THC e o CBD. A quantidade relativa de fitocanabinoides se altera entre as variantes da cannabis, com produtos populares para uso recreativo comumente indicando maiores conteúdos de THC, já que o THC é responsável pelos efeitos psicotrópicos da cannabis (Amin & Ali, 2019; Ashton, 2001). O THC age como agonista parcial dos supostos receptores canabinoides endógenos tipo 1 (CB1) e tipo 2 (CB2), que estão localizados em uma grande variedade de tecidos centrais e periféricos (Anand et al., 2009; Pertwee, 1997). Enquanto o CBD não tem propriedades psicotrópicas, há evidências de que ele possa modular os efeitos do THC (Anand et al., 2009). Até o momento, o conjunto completo de receptores alvos destes dois canabinoides não está totalmente definido e cada um deles pode exercer ações fisiológicas fora das vias CB1 e CB2 (Pertwee, 2008). O THC e o CBD são normalmente os dois canabinoides mais abundantes nos produtos derivados da cannabis devido à demanda dos próprios consumidores. Isto levou a alterações na proporção dos canabinoides em produtos contendo cannabis ao longo do tempo, com os produtos atualmente apresentando concentrações muito mais altas desses canabinoides chaves, em relação aos produtos que eram tradicionalmente disponibilizados (Ashton, 2001).

CONSUMO DE CANNABIS 

A cannabis pode ser consumida de diversas maneiras e a dose exógena de cada canabinoide irá depender das concentrações de canabinoides no produto consumido, seja ele a cannabis inteira ou derivados como produtos comestíveis. Embora exista uma história antiga da flor seca da cannabis sendo consumida por meio da inalação da fumaça resultante da combustão de materiais em um cachimbo, cigarro ou bong, o que leva à rápida captação e efeitos (Huestis et al., 1992), os métodos tais como a inalação do aerossol (normalmente conhecida como vaporização) e a ingestão estão se tornando mais e mais comuns com o desenvolvimento de produtos comercialmente disponíveis. Quando ingeridos, ao invés de inalados, a absorção através do intestino atrasa a captação (0,5-1 hora), com picos de efeito ocorrendo 1,5 a 3 horas após o seu consumo (Schlienz et al., 2020). Com o aumento da aceitação do uso recreativo em muitos países, é esperado que a diversidade de opções disponíveis comercialmente para o consumo vá continuar crescendo à medida que o mercado se expanda. 

EFEITOS FISIOLÓGICOS DA CANNABIS

Os efeitos fisiológicos sistêmicos da cannabis em humanos têm sido principalmente caracterizados durante o repouso. Diferente dos efeitos psicotrópicos bem documentados, a maioria das pesquisas tem considerado o papel da cannabis em alterar a função cardiovascular e respiratória (Figura 1). Evidências sugerem que o consumo da cannabis leve a um amplo conjunto de efeitos transitórios, incluindo alterações na frequência e função cardíaca, pressão sanguínea de repouso, controle ortostático, sensibilidade respiratória, e broncodilatação (Jones, 2002; Malit et al., 1975; Tashkin et al., 1977). É reconhecido que muitos dos efeitos cardiovasculares notados, que ocorrem com a administração da cannabis e do THC, como a maior frequência cardíaca em repouso, hiper ou hipotensão e hipotensão ortostática, são reduzidos com a utilização mais consistente, à medida que a tolerância é construída em dias ou semanas de uso regular (Benowitz & Jones, 1975). Em especial, a maioria das evidências mais antigas vem de estudos que utilizaram o ato de fumar como o único método de consumo, e é bem aceito que a inalação da fumaça e do monóxido de carbono apresenta independentemente inúmeros efeitos cardiovasculares associados, tanto com alterações transitórias como persistentes na função cardiovascular. No entanto, estudos que administraram o THC isoladamente mostraram que muitos destes efeitos observados ainda ocorrem, incluindo alterações no fluxo sanguíneo para os membros corporais (Benowitz et al., 1979; Weiss et al., 1972), na frequência cardíaca (Benowitz & Jones, 1975; Isbell et al., 1967), na pressão sanguínea (Benowitz & Jones, 1977; Benowitz et al., 1979) e na sensibilidade ventilatória (Malit et al., 1975), com um provável papel destas alterações no controle do sistema nervoso autônomo. De qualquer modo, os efeitos observados dão crédito à especulação de que estas alterações em um nível sistêmico poderiam afetar a performance pela alteração da resposta fisiológica ao exercício. 

Figura 1. Os efeitos sistêmicos do consumo da cannabis, em repouso (esquerda) e em conjunto com a prática de exercícios (direita), com as flechas representando a direção esperada do efeito e a força das evidências atuais. *Relatórios dos efeitos da cannabis na pressão sanguínea indicam uma ampla gama de possíveis efeitos (Figura criada com BioRender.com.)

 

Tradução da Figura:

Legenda da Figura: 

(branco) Poucas evidências

(cinza) Algumas evidências

(preto) Fortes evidências 

 

Repouso

Emoções Positivas 

(euforia, relaxamento)

Emoções Negativas 

(ansiedade, paranoia)

Função Cognitiva

Broncodilatação

Sensibilidade Ventilatória CO2

Frequência Cardíaca em Repouso

Produto Frequência-Pressão

Função Cardíaca

Fluxo Sanguíneo aos Membros Corporais

Pressão Sanguínea

Hipotensão Ortostática e Pré-Síncope

 

 

Exercício

Tolerância a Dor

Esforço Percebido

Motivação

Broncodilatação

Ventilação

Função Pulmonar

Frequência Cardíaca Submáxima

Demanda Submáxima de Oxigênio Miocardial 

Frequência Cardíaca Máxima

Força Máxima do Punho 

VO2max

Energia Aeróbica Máxima

Reflexo Pressor do Exercício

 

CANNABIS E EXERCÍCIOS: AS EVIDÊNCIAS 

A administração aguda da cannabis. O interesse em entender as interações do uso da cannabis e a prática de exercícios não é novo. Contudo, a maioria das investigações iniciais abordaram o tópico para entender a segurança do exercício e não a performance, com estudos normalmente empregando populações clínicas. Talvez de maneira surpreendente, desde estas investigações iniciais, realizadas 3 a 4 décadas atrás, relativamente poucas novas pesquisas foram realizadas nesta área, em grande parte devido às barreiras encontradas pelas pesquisas observadas, e talvez pouca motivação para estudar a droga que era quase que universalmente ilegal e banida em competições. Como resultado, muitas das evidências citadas aqui a favor e contra o uso da cannabis em conjunto com a prática de exercícios são baseadas em estudos utilizando populações não-atléticas, tendo consumido a cannabis que pode ter sido significativamente diferente em relação às concentrações de canabinoides, em comparação com os padrões de hoje, e fazendo medidas utilizando técnicas que são agora consideradas rudimentares. Embora o exercício e os estudos da cannabis precursores tenham base científica forte, o contexto no qual eles são delineados e realizados limitam sua aplicabilidade em relação à resposta de questões sobre a performance esportiva em atletas.  Como resultado, as evidências relacionadas ao uso da cannabis e do THC com a prática de exercícios é visivelmente escassa, em comparação com os dados empíricos disponíveis para outras drogas e suplementos relacionados à performance.  

Efeitos Cardiovasculares. Dois dos estudos originais realizados sobre a cannabis e a prática de exercícios demonstraram que o tempo de realização de atividade de ciclismo até o início da angina foi encurtado em homens com doença arterial coronariana avançada (Aronow & Cassidy, 1974; 1975). Enquanto uma menor capacidade de exercício é um achado importante, é digno de nota que a angina não é tipicamente uma preocupação limitante para a maioria dos atletas competitivos, nem mesmo em praticantes medianos de exercícios. Contudo, ela sugere que a cannabis poderia interferir com a relação de oferta e demanda de oxigênio miocardial, o que poderia afetar a função cardíaca, mesmo que apenas naqueles indivíduos com fluxo coronariano comprometido. Em especial, estes dois estudos iniciais utilizaram o método de “fumar” como meio de administração da cannabis, e a inalação de monóxido de carbono por si só pode ter exacerbado este efeito. 

Dois estudos adicionais em indivíduos saudáveis demonstraram que a cannabis levou a uma elevação da frequência cardíaca durante exercícios com intensidade submáxima (Avakian et al., 1979; Steadward & Singh, 1975). Como era comum na época, estes estudos utilizavam respostas da frequência cardíaca submáxima, ou resultado de esforço em uma certa frequência cardíaca submáxima, para prever a capacidade de exercício e consequentemente concluíram que a cannabis reduzia a performance. Esta mensagem de que a cannabis é, portanto, ergolítica (inibindo a performance) tem sido comumente repetida e é incorporada em inúmeras revisões sistemáticas que também chegaram a esta conclusão (Campos et al., 2003; Docter et al., 2020; Huestis, 2002; Pesta et al., 2013). Enquanto pode ser verdade que a frequência cardíaca e o débito cardíaco menores seriam esperados a reduzir a performance no exercício com intensidade máxima, esta lógica assume que não há alteração compensatória no volume sistólico e que o aumento na frequência é sustentado com a maior intensidade de exercício (exemplo, uma relação linear consistente entre a frequência cardíaca e a captação de oxigênio (VO2)). Contudo, o único estudo que mede a performance em exercício máximo após o consumo de cannabis demonstrou que isso não é verdade, já que as linhas de VO2 convergiram com maiores intensidades de exercício e frequências cardíacas em intensidades >80% do esforço máximo, sendo similares entre as condições de cannabis e controle (Figura 2A). Além disso, não houve diferenças relatadas na frequência cardíaca máxima, ventilação minuto, ou VO2 (Renaud & Cormier, 1986). Notavelmente, há muitos exemplos de outras substâncias definitivamente ergogênicas que aumentam a frequência cardíaca submáxima e ainda melhoram a performance do exercício, como a cafeína e a efedrina (Bell et al., 2000; 2001). Este estudo, no entanto, relatou uma redução no tempo máximo de exercício (Figura 2B), mas é importante notar que essa diferença representou não mais do que uma única carga de exercício de 1 minuto (aumento de 16,4 W), e portanto, as implicações práticas são de alguma maneira incertas (Renaud & Cormier, 1986).

Figura 2: A: A resposta da frequência cardíaca (HR) ao exercício cada vez mais intenso, com e sem administração da cannabis (marijuana). B: Valores máximos do consumo de oxigênio (VO2), produção de dióxido de carbono (VCO2), ventilação (VE), frequência cardíaca (HR) e tempo de exercício com (M) e sem (C) administração da cannabis antes da prática de exercícios. Os dados são a média ± DP. L, litros. (Reproduzido de Renaud e Cormier, 1986 com permissão. 

Figura:

A: HR (batidas/minuto) // ____ CONTROLES – – – –  APÓS MARIJUANA // % DO ESFORÇO MÁXIMO 

B: (ml/min) // (l/min) // (batidas/min) // (min) 

VO2 máx // VCO2 máx // VE máx // HR máx // EXERCÍCIO máx (TEMPO)

 

Efeitos Respiratórios. Como foi observado anteriormente, a cannabis demonstrou ter um efeito broncodilatador em repouso, e é razoável levantar a hipótese de que a broncodilatação pode também ocorrer durante a prática de exercícios, já que a função pulmonar é mantida após o exercício (Renaud & Cormier, 1986).  Enquanto a ventilação não é comumente considerada como limitação primária para o exercício máximo em atletas que não são nível de elite (Saltin & Calbet, 2006), alterar o processo da respiração poderia reduzir o volume do sangue desviado da musculatura locomotora para os músculos respiratórios, principalmente para aqueles que experienciam limitações no fluxo (Guenette et al., 2007; Sheel et al., 2018). Espera-se que tais efeitos sejam acentuados com o exercício naqueles indivíduos com limitações de fluxo diagnosticadas, como as pessoas com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Isto foi recentemente explorado por Abdallah et al. (2018), que examinou o impacto de inalar a cannabis vaporizada anteriormente ao teste de exercícios cardiopulmonares limitados por sintoma. Mesmo entre esses pacientes com DPOC avançada, não foi mostrado melhora na falta de ar durante o exercício e nenhum efeito foi aparente em nenhuma resposta cardiorrespiratória, ou tempo de exercício, o que foi menor que 5 minutos geralmente (Abdallah et al., 2018). Investigações específicas dos efeitos respiratórios do consumo da cannabis anteriormente ou durante exercício intenso ainda devem que ser realizadas em atletas saudáveis. Talvez não de maneira intuitiva, em oposição aos efeitos adversos bem conhecidos que o uso de tabaco (cigarros) tem na função pulmonar, há poucas evidências sugerindo efeitos semelhantes entre usuários leves da cannabis (Pletcher et al., 2012). Assim, mesmo com uso ocasional ou pequeno da cannabis fora do ambiente esportivo, parece improvável que a performance seja afetada pelas alterações persistentes na função pulmonar que poderiam impedir a função cardiorrespiratória. 

Efeitos na Força. Até o momento, apenas um estudo ofereceu mesmo que uma consideração superficial dos efeitos do uso da cannabis nas medidas de força, com nenhum pesquisador tendo considerado a resistência muscular, força ou capacidade anaeróbica. A força do punho foi comparada antes e após fumar cannabis e Steadward & Singh (1975) concluíram que nenhum dos efeitos do uso da cannabis foram aparentes na força. Investigações adicionais examinando a cannabis e a força muscular são necessárias antes da realização de conclusões.  

UTILIZAÇÃO CRÔNICA DA CANNABIS 

O impacto do uso da cannabis na performance atlética pode não ser limitado exclusivamente aos efeitos imediatos e é do interesse dos atletas e profissionais da saúde entender os possíveis efeitos da sua utilização também fora do contexto competitivo. Dos dados existentes, não há diferenças relatadas entre os usuários da cannabis e não-usuários em respeito a resultados relacionados à performance, incluindo o VO2máx, força muscular, resistência, capacidade de exercício ou percepção de esforço (Lisano et al., 2019; Maksud & Baron, 1980; Wade et al., 2021). Em usuários da cannabis fisicamente ativos, também não houve diferenças na força anaeróbica, nem em marcadores de estresse e inflamação (Lisano et al., 2019; 2020). Estudos longitudinais e estudos utilizando especificamente populações atléticas ainda precisam ser realizados e podem oferecer percepções importantes.

LACUNAS DE CONHECIMENTO        

Atualmente, há muito que não sabemos sobre os efeitos imediatos e a longo prazo do uso da cannabis na performance do exercício. Especificamente, faltam estudos direcionados que tenham utilizado populações atléticas e empregado testes de performance modernos, incluindo exercícios que vão até as intensidades máximas. A grande maioria dos dados existentes sobre a prática de exercícios foi gerada utilizando ciclos ergométricos submáximos e são necessárias percepções sobre outros modos de exercícios, utilizando ambos os sistemas aeróbico e anaeróbico de produção de energia. Adicionalmente, os impactos na força, energia e resistência muscular precisam ser estudados, assim como as demandas fisiológicas e cognitivas em uma série de esportes, incluindo esportes coletivos. Finalmente, os efeitos de diferentes modos de administração da cannabis, concentração de canabinoides e o momento da administração precisam ser considerados utilizando uma população variada, incluindo indivíduos de ambos os sexos. Os efeitos psicotrópicos do THC nas medições da percepção de esforço, nocicepção, fadiga e estratégias de ritmo nas atividades também merecem atenção. Uma melhor compreensão sobre os efeitos da cannabis no sistema cardiorrespiratório e sobre os efeitos de curto e longo prazo na saúde em geral é necessária para avaliar a segurança do uso da cannabis em conjunto com a prática de exercícios. 

APLICAÇÕES PRÁTICAS 

  • Foi demonstrado que a cannabis e o THC alteram a função cardiovascular em repouso e durante exercícios submáximos, normalmente pelo aumento da frequência cardíaca. Desta forma, previsões sobre a performance e respostas ao exercício máximo podem refletir imprecisamente as demandas em intensidades submáximas. Alguns efeitos cardiovasculares, incluindo o esforço cardíaco (produto do nível da pressão) podem também ser afetados pelo THC, outros canabinoides, hidrocarbonetos e monóxido de carbono.  
  • Diferentes métodos de consumo da cannabis e a utilização de produtos naturais ou derivados podem ter efeitos significativos na captação, farmacodinâmica, farmacocinética dos canabinoides e nas respostas fisiológicas resultantes. 
  • A utilização da cannabis contendo THC em competições permanece proibida na maioria dos esportes, principalmente aqueles que seguem as políticas da Agência Mundial Antidoping. A utilização da cannabis em conjunto com a prática de esportes e exercícios, ou o uso recreativo próximo das competições, poderia resultar em infração de doping. 
  • Os efeitos totais da utilização da cannabis por atletas não são compreendidos de maneira completa, incluindo o impacto que a cannabis e o THC podem ter na performance no exercício máximo e também na segurança a curto e longo prazo. Até que tais evidências estejam disponíveis, o uso da cannabis em conjunto com a prática de exercícios deve ser realizado com cautela. 

 

RESUMO

 A utilização da cannabis é prevalente na sociedade e há potencial para que a adoção adicional como uso recreativo e medicinal se torne legal e cada vez mais acessível em muitas partes do mundo. Há evidências de que a cannabis já seja consideravelmente utilizada por certos segmentos da população atlética, tanto com a intenção de obtenção de vantagem competitiva, como fora do ambiente esportivo. No entanto, os efeitos a curto e longo prazo da sua utilização não foram rigorosamente investigados utilizando técnicas e metodologias modernas. Enquanto a literatura englobando exercícios é claramente limitada, evidências atuais demonstram que a cannabis afeta os sistemas cardiovascular e respiratório, e é possível que estas alterações possam apresentar consequências na performance e na segurança do exercício. Enquanto um modelo especificamente relevante para a performance atlética não é utilizado, evidências de populações clínicas destacam os possíveis mecanismos pelos quais a utilização da cannabis possa afetar a função fisiológica. Estes poucos trabalhos disponíveis examinando os efeitos do uso da cannabis a longo prazo não indicam que o consumo crônico da cannabis necessariamente reduza a performance do exercício. Estudos sólidos, delineados especificamente para examinar os efeitos agudos e crônicos do consumo da cannabis em populações atléticas e utilizando diversos testes de exercícios são necessários para entender de forma abrangente a interação entre a cannabis e a habilidade em realizar exercícios.  

Os pontos de vista expressos neste artigo são dos autores e não necessariamente refletem a posição ou políticas da PepsiCo, Inc.  

REFERÊNCIAS

Abdallah, S.J., B.M. Smith, M.A. Ware, M. Moore, P.Z. Li, J. Bourbeau, and D. Jensen (2018). Effect of vaporized cannabis on exertional breathlessness and exercise endurance in advanced chronic obstructive pulmonary disease: A randomized controlled trial. Ann. Am. Thor. Soc. 15:1146–1158.

Amin, M.R., and D.W. Ali (2019). Pharmacology of medical cannabis. Adv. Exp. Med. Biol. 1162:151–165.

Anand, P., G. Whiteside, C.J. Fowler, and A.G. Hohmann (2009). Targeting CB2 receptors and the endocannabinoid system for the treatment of pain. Brain Res. Rev. 60:255–266.

Aronow, W.S., and J. Cassidy (1974). Effect of marihuana and placebo-marihuana smoking on angina pectoris. New Engl. J. Med. 291:65–67.

Aronow, W.S., and J. Cassidy (1975). Effect of smoking marihuana and of a high-nicotine cigarette on angina pectoris. Clin. Pharm. Therapeut. 17:549–554.

Ashton, C.H. (2001). Pharmacology and effects of cannabis: A brief review. Br. J. Psychiat. 178:101–106.

Avakian, E.V., S.M. Horvath, E.D. Michael, and S. Jacobs (1979). Effect of marihuana on cardiorespiratory responses to submaximal exercise. Clin. Pharm. Therapeut. 26:777–781.

Bell, D.G., I. Jacobs, T.M. McLellan, and J. Zamecnik (2000). Reducing the dose of combined caffeine and ephedrine preserves the ergogenic effect. Aviat. Space Environ. Med. 71:415–419.

Bell, D.G., T.M. Mclellan, and C.M. Sabiston (2001). Effect of ingesting caffeine and ephedrine on 10-km run performance. Med. Sci. Sports Exerc. 34:344–349.

Benowitz, N.L., and R.T. Jones (1975). Cardiovascular effects of prolonged delta-9-tetrahydrocannabinol ingestion. Clin. Pharm. Therapeut. 18:287–297.

Benowitz, N.L., and R.T. Jones. (1977). Prolonged delta-9-tetrahydrocannabinol ingestion effects of sympathomimetic amines and autonomic blockades. Clin. Pharm. Therapeut. 21:336–342.

Benowitz, N.L., J. Rosenberg, W. Rogers, J. Bachman, and R.T. Jones (1979). Cardiovascular effects of intravenous delta-9-tetrahydrocannabinol: autonomic nervous mechanisms. Clin. Pharm. Therapeut. 25:440–446.

Brisola-Santos, M. B., Gallinaro, J. G. de M. e., Gil, F., Sampaio-Junior, B., Marin, M. C. D., de Andrade, A. G., … Castaldelli-Maia, J. M. (2016). Prevalence and correlates of cannabis use among athletes—A systematic review. American Journal on Addictions, 25(7):518–528.

Campos, D.R., M. Yonamine, and R.L. De Moraes Moreau (2003). Marijuana as doping in sports. Sports Med. 33:395–399.

Close, G.L., S.H. Gillham, and A.M. Kasper (2021). Cannabidiol (CBD) and the athlete: Claims, evidence, prevalence, and safety concerns. Sports Science Exchange #213.

Docter, S., M. Khan, C. Gohal, B. Ravi, M. Bhandari, R. Gandhi, and T. Leroux (2020). Cannabis use and sport: A systematic review. Sports Health 12:189–199.

Guenette, J.A., J.D. Witt, D.C. McKenzie, J.D. Road, and A.W. Sheel (2007). Respiratory mechanics during exercise in endurance-trained men and women. J. Physiol. 581:1309–1322.

Haney, M. (2020). Perspectives on cannabis research-barriers and recommendations. J. Am. Med. Asooc. Psychiatry 77:994–995.

Huestis, M.A. (2002). Cannabis (marijuana) — effects on human behavior and performance. Foren. Sci. Rev. 14:16–60.

Huestis, M.A., A.H. Sampson, B.J. Holicky, J.E. Henningfield, and E.J. Cone (1992). Characterization of the absorption phase of marijuana smoking. Clin. Pharm. Therapeut. 52:31–41.

Isbell, H., C.W. Gorodetzsky, D. Jasinski, U. Claussen, F.V. Spulak, and F. Korte. (1967). Effects of (-) Δ9-trans-tetrahydrocannabinol in man. Psychopharmacologia 11:184–188.

Jones, R.T. (2002). Cardiovascular system effects of marijuana. J. Clin. Pharmacol. 42(S1):58S-63S.

Kvålseth, T.O. (1977). Effects of marijuana on human reaction time and motor control. Percep. Motor Skills 45:935–939.

Lisano, J.K., J.D. Smith, A.B. Mathias, M. Christensen, P. Smoak, K.T. Phillips, C.J. Quinn, and L.K. Stewart, L. K. (2019). Performance and health-related characteristics of physically active males using marijuana. J. Strength Cond. Res. 33:1658–1668.

Lisano, J.K., J.N. Kisiolek, P. Smoak, K.T. Phillips, and L.K. Stewart (2020). Chronic cannabis use and circulating biomarkers of neural health, stress, and inflammation in physically active individuals. Appl. Physiol. Nutr. Metab. 45:258–263.

Lorente, F.O., P. Peretti-Watel, and L. Grelot (2005). Cannabis use to enhance sportive and non-sportive performances among French sport students. Addict. Behav. 30:1382–1391.

Maksud, M.G., and A. Baron (1980). Physiological responses to exercise in chronic cigarette and marijuana users. Eur. J. Appl. Physiol. Occup. Physiol. 43:127–134.

Malit, L.A., R.E. Johnstone, D.I. Bourke, R.A. Kulp, V. Klein, and T.C. Smith (1975). Intravenous delta-9-tetrahydrocannabinol: effects on ventilatory control and cardiovascular dynamics. Anesthesiology 42:666–673.

Peretti-Watel, P., V. Guagliardo, P. Verger, J. Pruvost, P. Mignon, and Y. Obadia (2003). Sporting activity and drug use: Alcohol, cigarette and cannabis use among elite student athletes. Addiction 98:1249–1256.

Pertwee, R.G. (1997). Pharmacology of cannabinoid CB1 and CB2 receptors. Pharmacol. Therapeut. 74:129–180.

Pertwee, R.G. (2008). The diverse CB 1 and CB 2 receptor pharmacology of three plant cannabinoids : D 9 -tetrahydrocannabinol, cannabidiol and D 9 -tetrahydrocannabivarin. Br. J. Pharmacol. 153:199–215.

Pesta, D.H., S.S. Angadi, M. Burtscher, and C.K. Roberts (2013). The effects of caffeine, nicotine, ethanol, and tetrahydrocannabinol on exercise performance. Nutr. Metab. 10:1–15.

Pletcher, M.J., E. Vittinghoff, R. Kalhan, J. Richman, M. Safford, S. Sidney, F. Lin, and S. Kertesz (2012). Association between marijuana exposure and pulmonary function over 20 years. J. Am. Med. Assoc. 307:173–181.

Renaud, A.M., and Y. Cormier (1986). Acute effects of marihuana smoking on maximal exercise performance. Med. Sci. Sports Exerc. 18:685–689.

Ribeiro, L.I.G., and P.W. Ind (2016). Effect of cannabis smoking on lung function and respiratory symptoms: A structured literature review. Prim. Care Resp. Med. 26:1–8.

Saltin, В., and J. Calbet (2006). In health and in a normoxic environment, VO2 max is limited primarily by cardiac output and locomotor muscle blood flow. J. Appl. Physiol. 100:744–748.

Schlienz, N.J., T.R. Spindle, E.J. Cone, E.S. Herrmann, G.E. Bigelow, J.M. Mitchell, R. Flegel, C. LoDico, and R. Vandrey (2020). Pharmacodynamic dose effects of oral cannabis ingestion in healthy adults who infrequently use cannabis. Drug Alcohol Depend. 211:107969.

Sheel, A.W., R. Boushel, and J.A. Dempsey (2018). Competition for blood flow distribution between respiratory and locomotor muscles: Implications for muscle fatigue. J. Appl. Physiol. 125:820–831.

Steadward, R.D., and M. Singh (1975). The effects of smoking marihuana on physical performance. Med. Sci. Sports Exerc. 7:309–311.

Tashkin, D.P., S. Reiss, B.J. Shapiro, B. Calvarese, J.L. Olsen, and J.W. Lodge (1977). Bronchial effects of aerosolized Δ9-tetrahydrocannabinol in healthy and asthmatic subjects. Am. Rev. Resp. Dis. 115:57–65.

United Nations Office on Drugs and Crime (2020). The world drug report 2020. Booklet 2 – Drug use and health consequences. United Nations publication. Retrieved from https://www.unodc.org/doc/wdr2016/WORLD_DRUG_REPORT_2016_web.pdf

Wade, N.E., E. Gilbart, A.M. Swartz, and K.M. Lisdahl (2021). Assessing aerobic fitness level in relation to affective and behavioral functioning in emerging adult cannabis users. Int. J. Mental Health Addict. 19:546-559.

Weiss, J.L., A.M. Watanabe, L. Lemberger, N.R. Tamarkin, and P.V. Cardon (1972). Cardiovascular effects of delta-9-tetrahydrocannabinol in man. Clin. Pharm. Therapeut. 13:671–684.