PONTOS-CHAVE:

  • A importância dos carboidratos como fonte de energia para exercícios de endurance e a performance esportiva é bem definida. Apesar disso, as recomendações de carboidratos para atletas de endurance precisam evoluir continuamente para refletir a prática profissional e o conhecimento contemporâneos. 
  • Para garantir uma disponibilidade suficiente de glicogênio muscular, as competições de endurance ou os treinos intensos de alto nível devem ser precedidos por uma ingestão diária de carboidratos ajustada conforme as demandas dos exercícios seguintes, que de uma perspectiva prática poderia significar ingestões diárias de carboidratos variando de 7 a 12 g/kg de massa corporal (MC).
  • Consumir uma quantidade de carboidratos de 1 a 4 g/kg MC entre 1 e 4 horas antes do exercício é recomendado para exercícios com duração maior que 60 minutos. Neste contexto, a nutrição pré-exercício combinando fontes de carboidratos contendo glicose e frutose podem otimizar o armazenamento de glicogênio no fígado e a performance em endurance. 
  • A ingestão de carboidratos durante os exercícios com duração maior que 60 minutos pode ser benéfica para a performance, recomendando-se uma taxa de ingestão variando entre 30 e 90 g/hora. Ao consumir doses moderadas (30 a 60 g/h), os atletas podem escolher diversos tipos de carboidratos (como glicose, polímeros de glicose, sacarose, lactose ou um mix de glicose-frutose ou glicose-galactose) e diferentes formatos (como bebidas, em gel, barras). Para doses maiores (de 60 a 90 g/h) o mix de glicose e frutose é preferível para acelerar a absorção intestinal. Além disso, essas misturas também fornecem aos atletas uma maior flexibilidade para a modulação da ingestão de carboidratos em um evento. 
  • O principal objetivo da ingestão de carboidratos após exercícios extenuantes é a recuperação dos estoques de glicogênio. Atualmente recomenda-se o consumo de carboidratos com índice glicêmico de moderado a alto assim que possível após o exercício, em uma taxa de ingestão de 1,0 a 1,2 g/kg de MC/hora nas primeiras 4 horas, após esse período recomenda-se uma dieta normal que vá refletir as necessidades diárias de energia. Pode haver benefícios no consumo de fontes de carboidratos contendo glicose e frutose para otimizar a recuperação de ambos os estoques de glicogênio; muscular e do fígado. 
  • A ingestão de carboidratos para os treinos deve adotar uma abordagem de periodização com base nas demandas de energia dos treinamentos, permitindo assim a realização dos programas de treino prescritos, atingindo uma adaptação máxima enquanto minimiza o risco de desenvolvimento da Deficiência Relativa de Energia no Esporte (RED-S).

 

INTRODUÇÃO

A importância dos carboidratos como fonte de energia para o exercício e para a performance esportiva é bem definida. Igualmente bem desenvolvidas são as recomendações de ingestão de carboidratos para atletas de endurance procurando otimizar suas performances (Thomas et al., 2016). No entanto, apesar de décadas de pesquisas intensas sobre os carboidratos no campo da nutrição esportiva, novas pesquisas e um melhor entendimento continuam sendo gerados e há a necessidade das recomendações nutricionais evoluírem continuamente para poderem refletir a prática e o conhecimento contemporâneos. O propósito deste artigo do Sports Science Exchange é apresentar brevemente as pesquisas contemporâneas e as perspectivas de aplicação em relação ao papel da ingestão de carboidratos pelos atletas de endurance. Uma revisão mais detalhada nesta área pode ser encontrada em outras fontes da literatura científica (Podlogar & Wallis, 2022).

A INGESTÃO DE CARBOIDRATOS ANTES DAS COMPETIÇÕES 

É bem conhecido que a ingestão de carboidratos nos dias e horas antes do exercício pode influenciar o estoque de carboidratos e a sua disponibilidade no corpo e, consequentemente, impactar na capacidade de realizar exercícios de endurance. De fato, o conceito de carga de carboidratos ou glicogênio está enraizado na prática nutricional nas comunidades esportivas de endurance. Isso tem base nas pesquisas iniciais que indicavam que é possível supercompensar os estoques musculares de glicogênio pelo consumo de uma dieta muito rica em carboidratos antes dos exercícios, e maiores estoques musculares de glicogênio podem aumentar a capacidade de endurance por mais tempo (Bergstrom & Hultman, 1967). Se a super compensação é desejada, os atletas são aconselhados a consumir carboidratos em uma quantidade de 10 a 12 g/kg de massa corporal (MC) por dia, nas 36 a 48 horas antes da competição (Thomas et al., 2016). Essa prática pode ser propícia para otimizar a disponibilidade de carboidratos para eventos longos sem interrupções, ou intermitentes, de alta-intensidade com duração maior que 90 minutos. No entanto, quando a duração do evento for menor que 90 minutos, essa ingestão agressiva de carboidratos pode não ser necessária. Por exemplo, um estudo conduzido por Sherman e colaboradores (1981) encontrou que enquanto aumentar a ingestão de carboidratos resultou em estoques elevados de glicogênio muscular anteriormente ao exercício, isso não foi traduzido na melhora da performance na corrida de meia-maratona em esteira. Assim, uma abordagem mais apropriada seria ajustar a ingestão de carboidratos para garantir que quantidade suficiente de glicogênio muscular esteja disponível conforme as demandas da próxima competição, que de uma perspectiva prática poderia significar uma ingestão diária de carboidratos variando de 7 a 12 g/kg de MC (Thomas et al., 2016). Essa abordagem também pode ser preferível por uma perspectiva da manutenção da massa corporal. É bem conhecido que existe o estoque de água no processo de síntese de glicogênio e, logo, a ingestão excessiva de carboidratos em relação às demandas ou necessidades do esporte pode resultar em um ganho desnecessário de massa corporal anteriormente às competições. Em relação ao glicogênio muscular, comparativamente, há menos estudos que exploraram como otimizar a disponibilidade de glicogênio do fígado anteriormente ao exercício. O glicogênio do fígado é crucial já que a sua quebra fornece glicose para auxiliar na estabilidade da glicose sanguínea durante a prática de exercícios. A glicose do sangue fornece energia para o cérebro e é uma fonte adicional de energia para a musculatura em exercício. Ao contrário do glicogênio muscular, não parece existir uma supercompensação para o glicogênio do fígado (Gonzalez et al., 2016). Contudo, o glicogênio do fígado é reduzido após um jejum noturno, enquanto o glicogênio do músculo permanece estável (Gonzalez et al., 2016). Iniciar a prática de exercícios com o estoque de glicogênio do fígado completo irá garantir que uma quantidade adequada de glicogênio esteja disponível para manter as concentrações de glicose sanguínea durante a atividade. As diretrizes gerais para o consumo de energia pré-competições recomendam consumir carboidratos em quantidades que variam de 1 a 4 g/kg de MC entre 1 e 4 horas anteriormente ao evento. Curiosamente, um estudo recente encontrou que adição de frutose a um café da manhã rico em carboidratos melhora a capacidade de endurance em ciclistas experientes, em comparação a um café da manhã rico em carboidratos, mas composto apenas por glicose (Podlogar et al., 2022a) (Figura 1).

Figura 1: Tempo até a interrupção da atividade durante ciclismo em uma intensidade correspondendo ao primeiro limiar ventilatório após um café da manhã contendo arroz com adição de glicose (GLI + ARROZ; 130,1 ± 20,0 min.), ou adição de frutose (FRU + ARROZ; 137,0 ± 22,7 min., P=0,046). As barras representam a média, os círculos e linhas representam os participantes individualmente (n=8). 

Tradução da figura:

Tempo para a Interrupção da Atividade [min.] // GLI + ARROZ // FRU + ARROZ


Foi proposto, com base em estudos pós-exercícios sobre o metabolismo do glicogênio do fígado (Gonzalez et al., 2016), que a alimentação pré-exercício com uma mistura de glicose e frutose melhora o conteúdo de glicogênio do fígado devido ao metabolismo preferencial da frutose no fígado e isso sustenta a atividade de endurance por mais tempo. Enquanto o mecanismo preciso envolvido ainda precisa ser determinado, o que isso significa na prática é que as estratégias nutricionais que visam os estoques de glicogênio do fígado e dos músculos provavelmente representam uma abordagem ideal para a ingestão de carboidratos antes das competições ou sessões intensas de treinamento. 

A INGESTÃO DE CARBOIDRATOS DURANTE OS EXERCÍCIOS

Claramente, foi demonstrado que a ingestão de carboidratos durante o exercício melhora a capacidade ou a performance em endurance em uma variedade de contextos (Stellingwerff & Cox, 2014). Os efeitos positivos da ingestão de carboidratos foram em grande parte atribuídos à provisão de fontes de energia adicionais que servem para manter as concentrações de glicose sanguínea estáveis, e à utilização dos carboidratos como combustível durante o exercício, enquanto poupa a utilização dos estoques de glicogênio existentes no corpo (como do fígado e/ou glicogênio muscular) (Stellingwerff & Cox, 2014). Algumas evidências também sugerem que a ingestão de carboidratos pode influenciar positivamente o sistema nervoso central para melhorar a performance via mecanismos não-metabólicos, possivelmente através da sensibilidade oral por carboidratos (Jeukendrup & Chambers, 2010). Contudo, nosso maior entendimento sobre os efeitos da ingestão dos carboidratos é através do seu potencial em contribuir diretamente com o metabolismo de energia durante o exercício. Uma das abordagens essenciais para se determinar a possível eficácia dos carboidratos ingeridos foi utilizar técnicas de rastreamento utilizando isótopo estável, ou radioativo, para medir a reação conhecida por oxidação exógena de carboidratos (Jeukendrup & Jentjens, 2000). Isso simplesmente se refere a taxa na qual o carboidrato ingerido é utilizado para fornecer energia durante o exercício. Utilizando estas abordagens, foi estabelecido que dentro do intervalo recomendado para a ingestão de carboidratos durante exercícios com duração de 1 a 2,5 horas (por exemplo, 30 a 60 g/hora), a maioria das fontes de carboidratos podem ser consideradas viáveis (como glicose, polímeros da glicose, mix de glicose e frutose [incluindo a sacarose] ou glicose e galactose [incluindo a lactose]) (Jeukendrup, 2011; Odell et al., 2020). Em algumas situações, particularmente quando um exercício extenuante de longa duração ultrapassa 2,5 a 3 horas, podem ser necessárias estratégias mais agressivas de ingestão de carboidratos e as diretrizes atuais sugerem que consumir carboidratos em uma taxa de até 90 g/hora pode ajudar a otimizar a disponibilidade de carboidratos para a performance (Thomas et al., 2016). Nestas situações, recomenda-se que as misturas de glicose e frutose sejam consumidas para maximizar a absorção intestinal de carboidratos e a oxidação exógena de carboidratos e minimizar a incidência de distúrbios gastrointestinais. Dada a utilidade das misturas de glicose e frutose dentro do intervalo recomendado para a ingestão de carboidratos (30 a 90 g/h), parece que essas misturas fornecem aos atletas uma maior flexibilidade para modular sua ingestão de carboidratos em um evento, se necessário. Apesar da atual ampla aceitação das misturas de glicose e frutose, ainda há atualmente uma discussão em relação à proporção e à dosagem mais efetivas. Por exemplo, a maioria dos estudos e, certamente, as recomendações das diretrizes, se referem a proporção de 2:1 de glicose: frutose (Jeukendrup, 2011). No entanto, uma perspectiva mais contemporânea orientada pelo trabalho de Rowlands e colaboradores (2015) sugere que a proporção de glicose: frutose próxima a uma unidade (como, 1:0,8) representa a mistura mais eficaz quando se considera a combinação de benefícios, incluindo a oxidação exógena de carboidratos, o conforto intestinal e a performance em endurance. Em relação à dosagem, estudos recentes defendem que a ingestão de carboidratos de até 120 g/hora durante o exercício sejam consideradas (Hearris et al., 2022; Urdampilleta et al., 2020). De fato, o trabalho de Hearris e colaboradores (2022) foi esclarecedor em demonstrar que o consumo de 120 g/hora de carboidratos (em uma proporção 1:0,8 de polímero de glicose/glicose-frutose) em diversos formatos (como bebidas, gel, gomas) é tolerado na prática e provoca altas taxas de oxidação exógena de carboidratos durante o exercício. Contudo, nosso recente trabalho, enquanto demonstra uma superioridade do consumo de carboidratos em uma taxa de 120 g/hora em comparação com 90 g/hora durante o exercício para a oxidação exógena de carboidratos, falhou em demonstrar um benefício adicional da dosagem maior em poupar a oxidação endógena de carboidratos (como o glicogênio do fígado e/ou dos músculos) (Podlogar et al., 2022b). Portanto, primeiramente seria prudente se certificar de que há quaisquer vantagens claras em relação ao consumo de 120 g/hora para a performance, antes de se alterar e aumentar o atual consenso para o consumo de carboidratos em uma taxa de até 90 g/hora (Thomas et al., 2016).

A INGESTÃO DE CARBOIDRATOS APÓS O EXERCÍCIO 

O maior objetivo da ingestão de carboidratos no período após os exercícios é a recuperação dos estoques de glicogênio do fígado e dos músculos. O quanto o consumo agressivo de carboidratos é necessário após o exercício é em grande parte determinado pelo grau de depleção de glicogênio como resultado do exercício, o tempo até a próxima sessão de exercícios e a natureza do exercício seguinte (intensidade). Para otimizar a síntese de glicogênio após exercícios extenuantes recomenda-se que os atletas consumam carboidratos com um índice glicêmico de moderado a alto, assim que possível após o exercício, em uma taxa de 1,0 a 1,2 g/kg de MC/hora pelas primeiro quatro horas e após esse período o consumo de uma dieta normal refletindo as necessidades diárias de energia, onde sugere-se até 12 g/kg de MC (Thomas et al., 2016). Há atualmente evidências suficientes para sugerir um maior aperfeiçoamento das diretrizes para facilitar a recuperação a curto prazo (como algumas horas após o exercício extenuante) e, possivelmente, até mesmo para a recuperação no dia a dia, particularmente quando se considera a síntese de glicogênio para armazenamento em algum tecido específico. Por exemplo, observou-se uma maior síntese de glicogênio no fígado após o exercício quando fontes de carboidratos contendo glicose e frutose são consumidas em comparação com fontes de carboidratos contendo apenas glicose (Decombaz et al., 2011; Fuchs et al., 2016), apesar do fato da frutose ser um carboidrato de baixo índice glicêmico. A síntese de glicogênio muscular após o exercício parece ser semelhante quando se compara a ingestão de carboidratos fontes de glicose e frutose ou contendo apenas glicose (Trommelen et al., 2016; Wallis et al., 2008). Consequentemente, a recuperação a curto prazo da capacidade de endurance mostrou-se melhor com a ingestão de glicose e frutose após o exercício (Gray et al., 2020; Maunder et al., 2018), embora esse potencial ergogênico nem sempre tenha sido observado (Podlogar et al., 2020). No entanto, com base nas evidências atuais, pode-se recomendar que os atletas que procuram a recuperação dos estoques de glicogênio o mais rápido possível, considerem ingerir carboidratos contendo uma combinação de fontes de glicose e frutose para estimular de maneira ideal a ressíntese de glicogênio tanto no fígado quanto nos músculos (Figura 2).

Figura 2: a recuperação a curto prazo dos estoques de glicogênio dos músculos e do fígado após exercícios extenuantes utilizando diferentes combinações de monossacarídeos. Carboidratos contendo apenas glicose permitem aumentos robustos no glicogênio muscular, mas aumentos abaixo do ideal no glicogênio do fígado. Carboidratos contendo glicose e frutose foram demonstrados muito eficazes em repor ambos os estoques de glicogênio, do fígado e dos músculos. 

Tradução da figura:

Recuperação a curto prazo dos estoques de glicogênio do fígado e dos músculos após exercícios extenuantes

Carboidratos contendo apenas glicose // Fígado // Músculos

Carboidratos contendo glicose e frutose // Fígado // Músculos

A INGESTÃO DE CARBOIDRATOS PARA OS TREINOS 

Os carboidratos têm um papel importante no auxílio aos treinos por diversas razões. Primeiramente, uma ingestão de carboidratos que garanta uma disponibilidade de glicogênio suficiente para permitir a realização do programa prescrito de treinamentos é primordial. Neste sentido, as abordagens contemporâneas sugerem que a ingestão de carboidratos seja intervalada conforme as demandas dos treinos, o que é conhecido como o paradigma da energia necessária para a realização do esforço (Impey et al., 2018). Tal abordagem engloba um segundo aspecto importante da ingestão de carboidratos e os treinos, onde a disponibilidade de carboidratos e, em particular, de glicogênio muscular, foi considerada modular diretamente a adaptação aos treinos de endurance. Especificamente, atingir um nível baixo de glicogênio muscular devido ao exercício extenuante é um sinal-chave que inicia a adaptação ao treino em um nível molecular (Philp et al., 2012). Com base nessa premissa, defendeu-se que a restrição estratégica de carboidratos da dieta (como a estratégia “Train low”) em torno de sessões selecionadas de treinamento aumenta a adaptação aos treinos (Impey et al., 2018). No entanto, apesar das vantagens teóricas desta abordagem, uma recente meta-análise revelou insuficiência de evidências respaldando a restrição estratégica de carboidratos para aumentar o progresso induzido pelos treinos na performance em endurance (Gejl & Nybo, 2021). Contudo, a abordagem da restrição de carboidratos pode oferecer uma maneira para os atletas maximizarem a adaptação aos treinos, caso eles estejam limitados em tempo (estratégia tempo-eficiente), ou de induzirem uma perturbação metabólica adicional caso os atletas tenham exaurido outras possibilidades em melhorar a performance ao aumentar o volume de treinos. Enquanto a estratégia de restrição de carboidratos pode nem sempre ser necessária, a abordagem da periodização permite ingestões de carboidratos baseadas nas necessidades e pode atenuar qualquer possibilidade de uma disponibilidade excessiva de carboidratos impedindo a adaptação aos treinos. Finalmente, uma abordagem de periodização minimizaria a possibilidade de se desenvolver a Síndrome do Treinamento Excessivo (“overtraining”) e/ou a Deficiência Relativa de Energia no Esporte (RED-S), ambos cenários os quais parecem ter uma relação com a baixa disponibilidade crônica de carboidratos (Stellingwerff et al., 2021). Um esquema para a periodização de carboidratos com base nas demandas da sessão seguinte é apresentado na Figura 3, baseado nas premissas acima de fornecer carboidratos suficientes para os treinos, evitando o impedimento da adaptação aos treinamentos e minimizando riscos à saúde do atleta. 

Figura 3: esquema de periodização de carboidratos com base nas demandas da próxima sessão de exercícios. A intensidade do exercício se refere a maior intensidade obtida durante a sessão de exercício. As necessidades de carboidratos são descritas como descritores qualitativos (baixa, moderada, alta) com um indicativo de quantidades fornecido. Note, as necessidades de carboidratos exatas devem ser personalizadas com base nas demandas esperadas de energia para cada sessão de exercício, preferências individuais e tolerâncias. CHO – Carboidratos; LT1 – Limiar de lactato 1; CP – Força crítica; MLSS – Máximo estado estável de lactato; LT2 – Limiar de lactato 2. Figura adaptada de Podlogar e Wallis (2022).

INTENSIDADE DO EXERCÍCIO/ DURAÇÃO MODERADO (abaixo de LT1) PESADO (entre LT1 e CP/MLSS/LT2) SEVERO (acima de CP/MLSS/LT2)
< 90 minutos ANTES Baixa a Moderada 

1-2 g/kg; 1-4 h antes

Moderada a Alta 

2-4 g/kg; 1-4 h antes

Iniciar a sessão de exercícios com estoques de glicogênio muscular suficiente é essencial

 2-4 g/kg; 1-4 h antes

DURANTE Não é necessário o consumo de carboidratos durante as sessões de treinamento Ingestão de CHO recomendada se a disponibilidade de CHO antes da sessão estiver limitada

30-60 g/h

Ingestão agressiva não recomendada; menores quantidades incluindo enxagues bucais são aconselhadas

0-30 g/h ou enxague bucal

< 90 minutos  ANTES Moderada a Alta 

2-4 g/kg; 1-4 h antes

Alta

3-4 g/kg; 1-4 h antes

Alta

3-4 g/kg; 1-4 h antes

DURANTE Moderada a Alta 

30-90 g/h

Alta

60-90 g/h

Alta

60-90 g/h

INDIVIDUALIZAR A INGESTÃO DE CARBOIDRATOS 

As diretrizes de ingestão de carboidratos para atletas são bem definidas (Thomas et al., 2016) e também exploradas neste artigo. Essas quantidades recomendadas são um bom ponto de partida para profissionais e atletas e em conjunto com uma boa compreensão das demandas gerais dos treinos e das competições é possível desenvolver de maneira pragmática estratégias nutricionais eficazes. O advento de novas tecnologias que permitem a possibilidade de um melhor monitoramento ou entendimento fisiológico, traz a oportunidade para o desenvolvimento de mais estratégias nutricionais personalizadas ou individualizadas da ingestão de carboidratos. Por exemplo, a compreensão mais individualizada da utilização do glicogênio muscular nos treinos ou competições, poderia auxiliar na elaboração de uma estratégia nutricional para a ingestão de carboidratos mais customizada. Infelizmente, métodos não-invasivos e custo-eficientes que poderiam ser utilizados pelos profissionais para quantificar as concentrações de glicogênio muscular em campo, como a utilização de ultrassom, não foram mostrados em estudos de pesquisas independentes para serem validados (Bone et al., 2021). Há um número cada vez maior de estudos que medem diretamente a utilização de glicogênio muscular durante inúmeros esportes de endurance (Impey et al., 2020) e, talvez esses dados representem atualmente a melhor abordagem prática em que os praticantes podem determinar as demandas de carboidratos (baixa, média e alta) de certas sessões de exercícios e adaptar a orientação de acordo.  A partir desta abordagem, Jagnesakova e colaboradores (2022) introduziram o “machine learning” (uma área da inteligência artificial) como uma abordagem para prever a utilização de glicogênio muscular durante o exercício com base em estudos de pesquisas publicados. Com mais desenvolvimento, isso pode também representar uma maneira não-invasiva de prever a utilização de glicogênio para guiar estratégias personalizadas em relação à nutrição e aos exercícios. Uma tecnologia cada vez mais discutida na comunidade esportiva de endurance é o uso do monitoramento contínuo da glicose (GGM), que visa fornecer insights aos atletas em relação às suas respostas individuais da glicose sanguínea à alimentação e aos exercícios. Teoricamente, o conhecimento sobre as respostas da glicose sanguínea poderia permitir a um único atleta customizar a sua ingestão de carboidratos de uma forma que garanta níveis estáveis de glicose sanguínea durante o exercício, ou pelo menos, que evite a ocorrência de hipoglicemia. No entanto, no momento, as evidências sugerem que os aparelhos de GGM para uso durante o exercício parecem menos precisos que quando utilizados em condições de repouso e pós-prandiais (Clavel et al., 2022; Fabra et al., 2021). Isso sugere que os aparelhos de GGM podem apresentar alguma utilidade na personalização da ingestão de carboidratos para manter a estabilidade da glicose sanguínea em condições que não envolvam exercícios, mas mais pesquisas são necessárias para compreender totalmente a possibilidade dos aparelhos de GGM no auxílio da individualização da ingestão de carboidratos durante os exercícios. 

 APLICAÇÕES PRÁTICAS 

  • Competições de endurance ou treinos intensos de alto nível devem ser precedidos pela ingestão diária de carboidratos variando de 7 a 12 g/kg de MC dependendo das demandas de energia.  
  • Consumir uma quantidade de carboidratos que varia de 1 a 4 g/kg de MC entre 1 e 4 horas antes do exercício é recomendado para exercícios com duração maior que 60 minutos; a combinação de carboidratos fontes de glicose e frutose pode beneficiar a performance em endurance. 
  • Durante os exercícios com duração maior que 60 minutos a ingestão de carboidratos variando de 30 a 90 g/hora é recomendada. Diversos tipos de carboidratos (glicose, polímeros de glicose, sacarose, lactose, misturas de glicose e frutose, e glicose e galactose) podem auxiliar os objetivos de uma ingestão moderada de carboidratos (30 a 60 g/h). Para doses mais altas (60 a 90 g/h) as misturas de glicose e frutose são preferíveis. 
  • Para a recuperação de exercícios de endurance extenuantes recomenda-se o consumo de carboidratos com índice glicêmico moderado a alto com foco na inclusão de carboidratos contendo glicose e frutose assim que possível após o exercício na taxa de 1,0 a 1,2 g/kg de MC/hora nas primeiras 4 horas, depois desse período é recomendado uma dieta normal que reflita as necessidades diárias de energia. 
  • A ingestão de carboidratos para os treinos deve adotar uma abordagem de periodização da ingestão com base nas demandas de energia permitindo a realização dos programas de treinamento prescritos, resultando em adaptações máximas enquanto minimiza o risco de desenvolvimento de Deficiência Relativa de Energia no Esporte (RED-S).

RESUMO

Apesar de décadas de pesquisas intensas sobre carboidratos na área da nutrição esportiva, novos conhecimentos continuam a ser gerados com a possibilidade de atualizar a prática profissional nesta área. Para garantir uma disponibilidade suficiente de glicogênio muscular, as competições de endurance ou treinos intensos de alto nível devem ser precedidos por uma ingestão diária de carboidratos ajustada às demandas da próxima sessão de exercícios. A otimização do conteúdo de glicogênio muscular e do fígado nas horas anteriores e nas horas logo após o exercício é um objetivo importante para a nutrição relacionada aos carboidratos. Neste contexto, as estratégias nutricionais que combinam carboidratos fontes de glicose e de frutose parecem ser mais benéficas para uma melhor performance e recuperação. Os atletas que procuram se beneficiar da alimentação com carboidratos durante os exercícios podem escolher inúmeras fontes de carboidratos rapidamente oxidáveis, com misturas de glicose e frutose (incluindo a sacarose) permitindo uma maior flexibilidade para a modulação da ingestão de carboidratos em um evento. Finalmente, uma abordagem de periodização da ingestão de carboidratos perto do momento do treino irá garantir que os atletas tenham energia suficiente para atender as demandas de energia, maximizando a adaptação aos treinos enquanto minimizam a possibilidade de consequências adversas para a saúde ou para a performance (como o desenvolvimento de RED-S). 

Os pontos de vista expressos neste artigo são dos autores e não refletem necessariamente a posição ou políticas da PepsiCo, Inc.

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