PONTOS CHAVE: 

  • A Câimbra muscular associada ao exercício (CMAE) é uma contração involuntária temporária, mas intensa e dolorosa, da musculatura esquelética que ocorre durante ou logo após a prática de atividade física. 
  • A CMAE é bastante imprevisível e alguns indivíduos são mais suscetíveis que outros. 
  • Podem estar envolvidos pequenos e únicos músculos (frequentemente os da mão ou pés) ou grupos maiores de diversos músculos. 
  • Os mecanismos propostos incluem distúrbios do balanço de água e eletrólitos e reflexo espinhal anormal.
  • Acredita-se que diferentes mecanismos podem operar em diferentes cenários. 
  • Nenhuma estratégia de prevenção ou tratamento é consistentemente efetiva: tentativa e erro podem ajudar a estabelecer procedimentos efetivos.

 

INTRODUÇÃO

Câimbra é o termo utilizado para descrever uma contração involuntária e frequentemente dolorosa do musculo esquelético. As câimbras ocorrem em muitas diferentes situações. Elas comumente afetam grandes grupos musculares quando a atividade física prolongada acontece, especialmente em ambientes com altas temperaturas, mas também ocorrem em grupos musculares menores expostos a contrações repetitivas, como em datilógrafos ou escritores. As câimbras também podem ocorrer na ausência de exercício, como na gravidez ou diálise renal, ou como efeito colateral de alguns medicamentos (Maughan e Shirreffs, 2019). Seja ela de qualquer tipo, elas são notoriamente imprevisíveis, tornando-as de difícil estudo e sugerindo talvez, que diferentes fatores causais podem estar envolvidos. 

A câimbra muscular associada ao exercício (CMAE) tem sido definida como “contrações espasmódicas e dolorosas da musculatura esquelética que ocorre durante ou imediatamente após o esforço muscular” (Schwellnus et al., 1997). A dor e a incapacidade resultantes são geralmente suficientes para impedir ou pelo menos limitar severamente o movimento dos membros afetados, apesar da condição normalmente se resolver sem necessidade de intervenção. Ela pode durar desde alguns segundos até alguns minutos, mas o membro afetado não tem funcionalidade durante este tempo e talvez por algum tempo após o ocorrido.

A prevalência da CMAE tem sido avaliada em diferentes populações esportivas, mas definições diferentes e diversas ferramentas de avaliação têm sido aplicadas em diferentes períodos, confundindo comparações entre estudos. Schwabe et al. (2014) relatou que a incidência de sérias câimbras musculares é menor que um por mil corredores em coorte ampla (65.865 corredores) em participantes de eventos de meia maratona e ultramaratonas, mas outros autores relataram índices muito maiores. Maughan (1986) descobriu que 15 em uma amostra de 82 (18%) corredores (homens) maratonistas, de níveis variados de desempenho, relataram câimbras durante uma única corrida. Para colocar esses dados em perspectiva, Abdulla et al. (1999) relatou que em um grupo de pacientes mais velhos com 65 anos ou mais, não praticantes de atividade física, 50% experimentou câimbras musculares frequentes. A maioria destes casos de câimbras musculares na população em geral não está associado ao exercício, mas à uma gama de condições clínicas ou ao uso de medicamentos no tratamento destas condições. (Maughan & Shirreffs, 2019).

Muito tem sido feito da necessidade de entender as causas das câimbras musculares e dos processos fisiológicos relacionados. No entanto, a questão principal deve ser identificar estratégias efetivas de prevenção e tratamentos, e deve ser reconhecido que o entendimento sobre os mecanismos (interessantes como são) não é necessário no desenvolvimento de estratégias de tratamento. Causas potenciais da câimbra têm sido investigadas em inúmeros estudos epidemiológicos envolvendo grande número de participantes com participação em massa em eventos de resistência.  Enquanto tais estudos podem revelar associações, eles não podem estabelecer a causa e não avaliam por si só a eficácia de diferentes intervenções. Modelos experimentais que podem de forma mais eficaz induzir câimbras em laboratório podem ser utilizados para conceber testes de intervenção randomizados controlados com placebos. Estes modelos, no entanto, podem não refletir as câimbras espontâneas que ocorrem nos atletas em treinos ou competições.  

ANÁLISE DA PESQUISA 

Qualquer tentativa de estudar as causas e tratamentos da CMAE é inevitavelmente frustrada pela sua imprevisibilidade. Exercícios em laboratório raramente resultam em câimbras, até mesmo entre aqueles que relataram câimbras frequentes durante os treinos. Estudos de campo, onde indivíduos que sofrem de câimbras com grande participação em eventos são comparados a um grupo controle que não tem câimbras, sofrem da falta de padronização das condições, tornando as comparações reais difíceis de atingir. Estas dificuldades têm levado ao estudo de diferentes modelos, que podem explicar as diferentes conclusões resultantes sobre as causas relacionadas a CMAE. Estes modelos incluem: 

  • Câimbras espontâneas que ocorrem em ambientes industriais envolvendo grande população de risco. Estes grupos têm ocupações de grande demanda física, como a mineração e trabalho de construção, assim como atividades repetitivas com menor demanda física que utilizam grupos musculares menores, como a escrita, datilografia ou telegrafia.
  • Câimbras que ocorrem durante treinos ou eventos de competição esportiva. 
  • Modelos laboratoriais onde câimbras são induzidas voluntariamente ou por ativação estimulada eletricamente de um grupo muscular menor mantido na posição encurtada.  

A literatura mais antiga contém muitos relatórios detalhados sobre a incidência da CMAE e potenciais estratégias preventivas de uma gama de parâmetros ocupacionais.  A literatura mais recente foca em estudos transversais incluindo participantes com participação em massa em eventos de resistência e em modelos laboratoriais.

Dúvidas são refletidas nas conclusões de revisões recentes onde é mencionado que as causas da CMAE, e consequentemente as opções de tratamento, continuam incertas. (Jahic & Begic, 2018; Swash et al., 2019). Duas hipóteses principais têm sido propostas e continuam a ser debatidas: um distúrbio no balanço de água e sais e uma causa neurológica resultando em uma constante descarga anormal de impulso motor nos músculos atingidos.  (Giuriato et al., 2018). Cada uma destas hipóteses tem fortes defensores e algum suporte, mas nenhuma das duas consegue explicar completamente a natureza da CMAE.

Distúrbios no balanço de água e sais minerais

A maior evidência de que desequilíbrios eletrolíticos relacionados ao suor são fator em uma parte das câimbras musculares é encontrada em larga escala em estudos observacionais e prospectivos conduzidos na década de 1920 e 1930 em trabalhadores industriais – principalmente estudos sobre mineração, descarregadores de navios, trabalhadores de construção civil e de siderúrgicas — onde a administração de bebidas salubres ou tabletes de sal foi capaz de reduzir consideravelmente a incidência de câimbras. (Moss, 1923; Talbott, 1935; McCord & Ferenbaugh, 1931; Talbott & Michelsen, 1933; Dill et al., 1936). Estes estudos eram terrivelmente limitados pelos métodos disponíveis na época, mas eles tiveram a vantagem de poder acessar grandes populações e de manter registros médicos cuidadosos relacionados a produtividade. É simples descartar muito da literatura antiga, mas algumas observações eram extensas e meticulosas. 

Apesar das metodologias serem limitadas, muitas das observações eram impressionantemente premonitórias. Por exemplo, Moss (1923) publicou um relatório extenso no qual ele documentou casos de câimbras entre mineradores de carvão e os fatores que podiam ter contribuído no desenvolvimento destas câimbras. Ele atribuiu o início das câimbras, que em alguns casos eram seriamente debilitantes aos seguintes fatores: 

                1) altas temperaturas do ar; 

                2) consumo excessivo de água causado por boca e garganta seca; 

                3) grande esforço contínuo. 

Ele também observou que as câimbras tendiam a ocorrer durante a segunda metade do turno de trabalho e em homens que se encontravam em menor forma física, além de implicar não apenas as perdas de suor, mas também a fadiga na etiologia. Deve ser notado que a câimbra não era atribuída a desidratação ou o aumento da concentração sérica de eletrólitos, mas a uma “forma de envenenamento da água nos músculos ocasionada pela combinação de grande perda de cloreto pelo suor, consumo excessivo de água e paralisia temporária da excreção renal”. (Anon, 1923). O cloreto era normalmente medido em fluidos corporais por não haver bons exames de sódio naquela época, mas sim uma relação próxima entre a concentração de sódio e cloreto no suor.  (Shirreffs & Maughan, 1997). Essas observações não implicam desidratação, e talvez um consumo excessivo de água pura, combinado com uma grande perda de eletrólitos pelo suor. 

Também não é correto dizer que não houve estudos prospectivos de grande escala para avaliar o papel do balanço da água e do sal na etiologia das câimbras musculares. Dill et al. (1936) relatou achados em estudos de intervenção realizados no local de construção da “Hoover Dam” e na siderúrgica de Youngstown, Ohio. Em ambos os locais, muitos homens realizavam grande esforço físico diariamente em ambientes com temperaturas extremamente altas. Eles descobriram que aqueles que sofriam câimbras apresentavam as seguintes características: 

                1) desidratação;

                2) baixa concentração de sódio e cloreto no plasma sanguíneo;

                3) pouco ou nenhum sódio ou cloreto na urina; 

                4) concentração aumentada de proteína sérica;

                5) contagem aumentada de células vermelhas; 

                6) pressão osmótica normal. 

Isto apresenta um quadro complexo: alguns destes achados são típicos da desidratação (1, 4 e 5), enquanto outros são coerentes com hidratação excessiva  (2, 3). Eles também relataram, no entanto, que injeções de isotônico salino normalizou o perfil sanguíneo e causou alívio imediato dos sintomas. No maior estudo intervencionista, relatado no mesmo trabalho, eles adicionaram solução salina a água dada aos 12.000 homens empregados em uma das siderúrgicas, enquanto aqueles em siderúrgicas vizinhas continuaram a tomar água pura.  Esta conduta foi efetiva quase que em completamente acabar com os casos de câimbras musculares, apesar de que nos anos anteriores e no mesmo ano em que água pura foi dada em outras siderúrgicas, até 12 casos de câimbras necessitaram hospitalização em um único dia.   

A restrição severa do consumo de sódio também pode resultar em hiponatremia e pode estar associada a câimbras musculares generalizadas na ausência de exercício. (McCance, 1936). Isto pode ser relevante atualmente em face da recomendação comum de que o consumo de sal na dieta deve ser reduzido para minimizar riscos de hipertensão. (Ha, 2014). Diversos estudos têm avaliado mudanças no estado de hidratação e concentrações de eletrólitos plasmáticos em atletas que têm sofrido câimbras musculares, e estes estudos incluem corredores de maratonas, participantes em uma corrida de rua de 56km, competidores do triathlon Ironman e participantes de ultramaratonas de 161km  (veja Maughan, 1986; Maughan & Shirreffs, 2019, para detalhes destes estudos). Nenhum destes estudos mostrou associação entre câimbras e mudanças dos eletrólitos séricos, mas é importante notar que as concentrações de eletrólitos séricos podem ter uma relevância pequena. Concentrações locais intracelulares e extracelulares podem ser relevantes, já que irão afetar o potencial de repouso da membrana em ambos músculos e nervos, mas é improvável que mudanças nas concentrações plasmáticas podem monitorar essas mudanças locais. Existe boa evidência de que mudanças nas concentrações plasmáticas desses eletrólitos podem não refletir mudanças locais intracelulares durante exercício intenso ou prolongado. (Sjøgaard, 1986; Costill et al., 1976). Também é o caso que amostras sanguíneas não têm geralmente sido coletadas no momento da câimbra, mas somente mais tarde, quando a câimbra já terminou, e em alguns casos isto se deu muitas horas depois do término das câimbras, então a ausência de associação não seja talvez surpreendente.  

Stofan et al. (2005) descobriu que perdas de sódio pelo suor durante sessões de treino eram maiores em um grupo de jogadores de futebol propensos a ter câimbras (n = 5) do que em jogadores sem histórico de CMAE. O mesmo grupo de pesquisa investigou mais tarde um grupo de jogadores de futebol americano sem histórico de câimbras (n = 8) e um grupo propenso a ter câimbras (n = 6) (Horswill et al., 2009). Toda a concentração sanguínea de sódio (como declarado pelos autores, mas na verdade é a concentração plasmática de sódio) permaneceu inalterada depois do treino no grupo controle (138,9 ± 1,8 a 139,0 ± 2.0 mmol/L), enquanto tendia ao declínio  (137,8 ± 2.3 a 135,7 ± 4,9 mmol/L) no grupo de jogadores propensos a ter câimbras, e três indivíduos neste grupo tiveram registros de valores abaixo de 135 mmol/L. Os indivíduos do grupo de jogadores propensos a ter câimbra consumiram maior quantidade do total de líquidos na forma de água pura, ao invés de bebidas esportivas contendo eletrólitos (apesar da diferença do consumo de sódio ser pequena), e tiveram concentrações maiores de sódio no suor (53 ± 29 vs. 38 ± 18 mmol/L), além da ocorrência de maior déficit de sódio ao longo das sessões de treino. 

Um estudo de laboratório do Ohno e Nosaka (2004) mostrou que um déficit de líquidos corporais de 3% da massa corporal induzido por exposição intermitente à sauna sem exercício físico aumentou o número de indivíduos que tiveram câimbras durante um teste sobre câimbras musculares nos músculos flexores dos dedos do pé mas não nos músculos extensores do joelho. Jung et al. (2005) fez com que os participantes se submetessem a um protocolo de fadiga nos músculos da panturrilha para induzir CMAEs. Em um teste, indivíduos consumiram bebida energética com eletrólitos com nível similar ao nível do suor e no outro teste, nenhum fluido foi consumido resultando em hipohidratação leve (1% de perda de massa corporal). Nove participantes tiveram câimbras no teste com bebida energética com eletrólito, comparado com sete no teste de hipohidratação. Dos sete indivíduos que tiveram CMAE em ambos os testes, o tempo de início das câimbras era mais que o dobro no teste com bebidas energéticas e eletrólitos (36,8 ± 17,3 min) comparado com o teste de hipohidratação (14,6 ± 5,0 min). Indivíduos que tiveram câimbras suaram mais (2,0 ± 0,9 L/min) que aqueles que não tiveram (1,3 ± 0,6 L/min). Não está claro se existiu um efeito de ordem de tratamento nestes estudos que pode ter confundido os resultados: fato discutido abaixo mais adiante. 

Mais recentemente, Ohno et al. (2018) investigou sistematicamente a suscetibilidade de câimbras induzidas voluntariamente nos músculos posteriores da coxa depois de uma hipohidratação de 1%, 2% e 3% da massa corporal, induzida pela exposição à sauna sem exercício.  A CMAE ocorreu nos 9 participantes na condição de controle ou depois de desidratação de 1%;  3 indivíduos tiveram CMAE em 2%, e seis indivíduos tiveram CMAE na condição de 3%. Em um estudo de Lau et al. (2019), 10 homens correram morro abaixo em um ambiente quente até que eles perdessem 2% de suas massas corporais iniciais.  Dez minutos depois de completar a corrida eles ingeriram ou água pura ou solução hidratante oral disponível comercialmente contendo sódio (50mEq/L), cloreto (50mEq/L), potássio (20mEq/L), sulfato de magnésio (2mEq/L), lactato (31mEq/L), e glicose (18g/L) em volume igual a massa corporal perdida. A suscetibilidade dos músculos da virilha a câimbras induzidas eletricamente foi avaliada por teste de frequência limiar aplicado no ponto inicial antes da corrida, imediatamente depois da corrida, e 50 e 80 minutos depois da ingestão de líquido. A suscetibilidade a câimbra muscular avaliada pelo teste não mudou desde o ponto inicial até imediatamente após à corrida em nenhuma das condições, mas a frequência limiar diminuiu depois da ingestão de água para 4,3Hz (em 30 min) e 5,1Hz (em 60min pós-corrida), mas aumentou depois da ingestão de solução hidratante oral para 3,7 e 5,4Hz, respectivamente. Os investigadores relataram que as concentrações de sódio sérico e cloreto diminuíram depois da ingestão de água, mas foram mantidas após a ingestão da bebida contendo eletrólitos.  

De acordo com os mecanismos propostos por Moss (1923), e outros Anon (1920), estes resultados sugerem que a combinação da perda de suor e ingestão de água tornam os músculos mais suscetíveis a câimbras induzidas por estimulação elétrica, mas a suscetibilidade a câimbras musculares é reduzida quando existe a ingestão de bebida contendo grande quantidade de eletrólitos.  É interessante notar que a câimbra é conhecida por acompanhar a hiponatremia (definida pela concentração de sódio sérico menor que 135 mmol/L) em parâmetros clínicos, mas a extensa literatura em hiponatremia associada ao exercício, no entanto, geralmente não menciona a câimbra muscular (Maughan & Shirreffs, 2019). A utilização de líquidos com baixa quantidade de sódio em diálises durante a diálise de manutenção pode provocar câimbras em pacientes renais, e a normalização da osmolaridade plasmática e concentrações de sódio podem reduzir significativamente a frequência das câimbras durante a diálise. (Meira et al., 2007). Se isso é relevante à situação do exercício, ainda é incerto. 

CMAE como consequência do controle neuromuscular alterado 

A ideia de que a câimbra pode ser uma consequência de eventos no Sistema Nervoso Central (SNC), ao invés de nos músculos, é frequentemente retratada como uma ideia inovadora. (Schwellnus et al., 1997). No entanto, uma investigação legislativa britânica das causas da câimbra muscular nos operadores telegráficos em 1911 concluiu que “câimbras relacionadas a telegrafia é uma doença do Sistema Nervoso Central, e é o resultado de um enfraquecimento ou colapso do mecanismo de controle cerebral em consequência de continua tensão em um certo grupo de músculos” (Departamento do Comitê sobre Câimbras em Telégrafos, 1911). Isto implica a ocorrência de eventos em ambos os músculos afetados e no SNC, mas não clareia a visão sobre os caminhos envolvidos. 

As primeiras literaturas sobre câimbras musculares foram amplamente esquecidas, e as evidências acumuladas na última parte do século passado de que as câimbras frequentemente ocorriam durante o exercício na ausência da perda de suor importante ou grande distúrbio no balanço eletrolítico, levaram a busca de uma causa alternativa. Schwellnus et al. (1997) hipotetizou que a câimbra é causada por “constante atividade de reflexo espinhal anormal que parece ser secundária à fadiga muscular”. Em particular, a CMAE, foi atribuída a uma anormalidade da constante atividade motor neural, devido a uma anormalidade no controle neural motor no nível espinhal, mas isso ainda não identifica a causa desta anormalidade. A fadiga muscular era implicada por efeito excitatório nos eixos musculares (que são sensíveis ao comprimento muscular) e um efeito inibitório das atividades nos órgãos tendinosos de Golgi do tipo lb (que são sensíveis ao peso).  Evidências circunstanciais em suporte a essas sugestões surgiram da observação de que o alongamento passivo do músculo durante um episódio de câimbra pode aliviar os sintomas, presumidamente como resultado de uma inibição autogênica pelo reflexo dos órgãos tendinosos (Layzer et al., 1971). Porém isto ainda não explica, porque a cãimbra não é uma consequência inevitável do exercício que causa fadiga, porque ela parece ocorrer mais frequentemente em ambientes que impõe alto estresse termal, ou porque alguns indivíduos são afetados enquanto outros não são.  

A evidência mais forte para um controle neuromuscular alterado vem de estudos em laboratório sobre músculos pequenos em humanos e em modelos animais. Em cada um destes dois diferentes cenários, uma história pode ser contada, mas em cada caso a história está incompleta. A CMAE é notoriamente imprevisível, então modelos laboratoriais têm sido desenvolvidos permitindo que a câimbra fosse induzida de maneira mais confiável, seja por ativação voluntária dos músculos ou eletricamente provocando contrações e em ambos os casos, o músculo é ativado enquanto sustenta posição encurtada. Diversas formas deste modelo experimental têm sido utilizadas em estudos de laboratório sobre câimbras, mesmo que não reflitam os padrões de movimento dos atletas. Os resultados destes estudos são consistentes com a proposta de Schwellnus et al (1997) como apontado acima: uma redução na tensão do tendão do músculo devido ao encurtamento muscular irá reduzir a resposta inibitória do órgão tendinoso de Golgi, que por sua vez tem o potencial de aumentar a condução motora no neurônio motor alfa.  Como suporte desta hipótese, Khan e Burne (2007) acharam que a câimbra induzida por ativação voluntária máxima do músculo gastrocnêmio enquanto sustentava posição encurtada poderia ser inibida pela estimulação elétrica dos aferentes do tendão no músculo com câimbra. Mesmo sob condições que favoreciam a câimbra, no entanto, 5 dos 13 indivíduos não podiam induzir câimbras e em outros 2 indivíduos, ela não persistiu tempo suficiente para realização de medidas.  

Atletas que são suscetíveis a terem câimbra muscular, demonstram ter um limiar mais baixo para a câimbra muscular provocada por estimulação elétrica dos nervos motores (Miller & Knight, 2009; Minetto & Botter, 2009). O bloqueio dos nervos motores com anestésico local não acaba com essas câimbras eletricamente provocadas, mas quando o nervo é bloqueado, uma frequência maior de estimulação é necessária para induzir as câimbras e a duração da câimbra é reduzida. As características alteradas da descarga da unidade motor são consistentes com a existência de um ciclo de resposta positiva envolvendo o input nos nervos aferentes dos músculos afetados e condução das fibras motora para estes músculos (Minetto et al, 2011).

Fortes objeções à teoria da desidratação/perda de eletrólitos têm sido levantadas por estudos onde se forneceu líquidos para prevenir a desidratação e encontrou-se que isso não afetou o início de câimbras provocadas eletricamente (Braulick et al., 2013; Miller et al., 2010b). Esses achados, no entanto, são diretamente contrariados por outros estudos mencionados acima. Também deve ser notado que foi identificada hipernatremia desenvolvida como resultado da desidratação nos estudos de Miller et al. (2010a) e Braulick et al. (2013), e isso pode ter sido efeito protetor contra o desenvolvimento de câimbras (Lau et al, 2019). Fadiga por si só também é improvável de ser a causa, apesar de ser um fator contribuinte. Em corredores de maratona, a câimbra tende a ocorrer mais frequentemente na parte final das corridas, e experiências similares são vistas no futebol e outros esportes. No entanto, todos estão fadigados em algum momento final dos eventos de resistência, mas relativamente poucos experimentam câimbras musculares.  Adicionalmente, a natureza da fadiga que ocorre em corredores velocistas é muito diferente da experimentada ao final de uma corrida de maratona, mas as câimbras podem ocorrer em ambas as situações.  

Ao invés de focar em uma ou outra abordagem, portanto, parece razoável sugerir que diferentes mecanismos podem se aplicar em diferentes situações. Nós somos todos influenciados pela nossa própria experiência e isto pode nos tornar parciais em relação a uma causa como sendo a mais provável ou mais comum do que outra, mas a questão chave é como tratar ou prevenir um episódio de câimbra. Com relação ao tratamento e prevenções, é importante notar que um mecanismo plausível pode ajudar a identificar possíveis tratamentos efetivos, mas não necessariamente saber se o tratamento é efetivo ou não.

 

APLICAÇÕES PRÁTICAS 

O atual estado de conhecimento nesta área não permite a prescrição de estratégias de prevenção e tratamento com nenhum grau de certeza.  Os estudos iniciais da câimbra muscular que ocorreram nos contextos industriais identificaram grande perda de suor e ingestão de grande volume de água pura como fatores contribuintes para a câimbra muscular, então não é surpreendente que a ingestão de sais tenha sido proposta como estratégia de prevenção. A evidência mais forte para a eficácia desta estratégia é encontrada no trabalho de Dill et al. (1936), onde estudos prospectivos de larga escala mostraram que a adição de sal a água de beber foi efetiva na redução da taxa de ocorrência da câimbra. O estudo recente de Lau et al (2019) também fornece suporte a esta sugestão. 

Existe um longo histórico do uso de medicamentos populares na prevenção e tratamento de câimbras musculares, e muitos destes incluem compostos com gosto forte ou amargo, incluindo o caldo de picles, mostarda, quinino, vinagre e várias ervas e temperos. Até mesmo curas homeopáticas são relatadas como sendo efetivas, com irônico suporte por parte dos atletas sempre sendo utilizados para promover estes produtos, sugerindo que tanto os efeitos placebo e as crenças dos atletas pode representar um papel importante. Assim como em outras intervenções, estes têm provado dificuldade em avaliar como as câimbras musculares geralmente são resolvidas espontaneamente antes que qualquer intervenção possa ser implementada. No modelo humano da câimbra provocada eletricamente, no entanto, o caldo de picles (que contém alta quantidade de sal e um gosto acentuado dado pelo conteúdo de ácido acético) foi relatado como sendo efetivo na redução da duração das câimbras. Miller et al. (2010a) descobriu que a duração da câimbra foi reduzida em ~37% em média quando 1mL do caldo de picles foi ingerido 2 segundos após a indução de câimbra em comparação a um teste onde água foi ingerida (85 ± 19 s vs. 134 ± 16s, respectivamente: P < 0,05), mas a intensidade da câimbra não foi afetada. Os mesmos autores tinham mostrado previamente que a ingestão de pequenas quantidades de caldo de picles não apresentava efeito mensurável na concentração plasmática de sódio, potássio, magnésio ou cálcio ou na osmolaridade do plasma e volume do plasma (Miller et al., 2009). Os autores propuseram que, na ausência de qualquer efeito da ingestão de caldo de picles na concentração de eletrólitos circulantes, o mecanismo pelo qual o caldo de picles encurtava a duração da câimbra envolvia a ativação de receptores na região orofaríngea que resultou na redução da taxa de disparo dos neurônios motores alfa que enervam o músculo afetado. É importante notar apesar, que este não foi um estudo sobre CMAE, mas sobre câimbras induzidas por estimulação elétrica durante contração voluntária máxima de um pequeno músculo na sola do pé mantido na posição encurtada. Isto não pode ser considerado como evidência eficaz no tratamento de CMAE.  No entanto, estes e os resultados de estudos similares, levantam algumas questões interessantes: modelos crossover utilizam os mesmos sujeitos em testes placebo e tratamento, geralmente no caso de um único tratamento, com metade recebendo tratamento antes do placebo e a outra metade recebendo ordem inversa. A análise estatística aplicada no estudo de Miller et al. (2010a) assume que não existiu efeito na ordem do tratamento, mas não podemos ter certeza disto, com apenas uma semana para recuperação entre os testes experimentais.  Os autores deste estudo e outros estudos envolvendo modelos experimentais similares deveriam ter relatado se a intensidade da câimbra e a duração da câimbra foram diferentes na primeira e na segunda exposição, e deveriam talvez também ter habituado os indivíduos ao processo de estimulação elétrica previamente aos testes experimentais. A importância disto é destacada por uma publicação recente mostrando que a exposição repetida a câimbras provocadas eletricamente induz ao aumento de longa duração da frequência limiar da câimbra em indivíduos saudáveis (Behringer et al., 2018). Estes autores induziram a CMAE  nos músculos mediais gastrocnêmios de uma das pernas duas vezes na semana, enquanto a perna oposta servia de perna controle. Depois de quatro sessões de treinos de câimbras, a frequência limiar da câimbra aumentou na perna com intervenção, mas não na perna controle. Essa mesma consideração, claro, se aplica a muitos outros estudos de laboratório de câimbras provocadas eletricamente, mas se torna particularmente aguda quando, como no estudo de Miller et al. (2010b), uma grande diferença entre as condições ocorre no primeiro teste, com possíveis consequências para o sucesso do teste.

Outra substância amarga, o quinino, tem sido promovido na prevenção de câimbras, mas existem poucas pesquisas específicas para CMAE . Uma revisão abrangente concluiu que a ingestão de quinino (200mg a 500mg diariamente) reduz o número de câimbras e dias com câimbras (evidência de baixa qualidade) e reduz a intensidade da câimbra (evidência de qualidade moderada) mas não tem efeito na duração da câimbra (El-Tawil et al., 2015). Eles relataram algumas evidências de que a ingestão de teofilina combinada com quinino melhorou a resistência a câimbra mais que a ingestão do quinino unicamente. Um produto lançado recentemente tem alegado que a câimbra pode ser prevenida ou tratada com a ativação de receptor de potencial transitório (TRP) na boca (Craighead et al., 2017), apesar disto não ter tido apoio de nenhuma outra pesquisa (Behringer et al, 2017). Receptores TRP formam uma família de 28 canais iônicos relacionados que são tidos como importantes na mediação da sensação de paladar e dor. Os canais TRPV1 e TRPA1 são estimulados pelos componentes ativos de comidas apimentadas como pimentas chili ou wasabi (raiz forte). Pode ser que surjam evidências para apoiar este produto, mas existem algumas questões sobre a ciência.  Sem nenhuma dúvida, sensações desagradáveis (ou agradáveis) na boca irão induzir atividade elétrica em algumas regiões do cérebro, mas existem algumas lacunas na cadeia de eventos entre a estimulação dos receptores orofaríngeos e a inibição da atividade dos nervos motores. O TRPV1 é ativado pela capsaicina se o pH local é menor que 6 (Fernandes et al., 2012), mas não é certo de maneira alguma que tal pH será atingido na boca após a ingestão deste produto. No entanto, está claro que a ingestão de alimentos contendo a pimenta chili, gengibre e muitos outros alimentos têm efeito poderoso nos receptores da boca e de outras regiões. Qualquer pessoa que coloca chili cru na boca ou perto dos olhos tem consciência que isso irá causar não apenas dor e irritação, mas também uma série de respostas fisiológicas. Se esses sinais podem interferir a atividade elétrica associada com câimbras musculares espontâneas permanece incerto. 

 

RESUMO

A câimbra muscular é relativamente comum em muitas situações de exercício, mas as causas não são bem compreendidas, tornando a prevenção e as estratégias de tratamento incertas.

Algumas câimbras são associadas com distúrbios no equilíbrio de água e sais minerais e os cuidados para minimizar esse desequilíbrio deveriam reduzir o risco de ocorrência das câimbras. 

Quando as perdas de água e sais minerais são altas, bebidas contendo eletrólitos, especialmente sódio, devem ser ingeridas ao invés de água pura. Pouca hidratação ou hidratação excessiva devem ser evitadas.

Alongar o músculo afetado pode acelerar o término das câimbras. 

Nenhuma estratégia de prevenção ou tratamento é consistentemente efetiva. Tentativa e erro podem ajudar a estabelecer procedimentos efetivos. 

 

REFERÊNCIAS 

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