SSE #150: MÉTODOS DE AVALIAÇÃO NUTRICIONAL PARA ATLETAS: VANTAGENS E DESVANTAGENS DOS DIFERENTES MÉTODOS
Publicado em
September 2015
Autor
Louise M. Burke
PONTOS-CHAVE:
- Diferentes protocolos estão disponíveis para a coleta de dados sobre as práticas nutricionais de atletas, de acordo com os objetivos e recursos disponíveis em relação à atividade.
- Métodos retrospectivos (exemplo, questionário de frequência alimentar e histórico alimentar) são limitados pela visão do atleta e sua memória, enquanto métodos prospectivos (exemplo, diário alimentar) são limitados pela tendência do ato de registrar alterar a ingestão habitual.
- Os diários alimentares são uma avaliação nutricional frequentemente utilizada em pesquisas e como suporte ao atleta, mas devem ser avaliados considerando a propensão natural em se relatar menos que o habitual.
- Novas tecnologias fornecem a possibilidade de protocolos de avaliação nutricional mais rápidas e eficientes, mas como em todos os métodos, necessitam ser validados para a utilização em populações de atletas.
INTRODUÇÃO
Investigar o que um atleta se alimenta é uma atividade diária para um nutricionista esportivo, então seria esperado que a prática tornaria esta atividade eficiente e efetiva. No entanto, a avaliação nutricional permanece sendo um desafio na nutrição esportiva, com a possibilidade de erros significativos de validação e confiabilidade. Estes erros desafiam a precisão das estimativas em relação ao que os atletas realmente consumiram, ou geralmente consomem, e também pode impedir a detecção de uma mudança real se a avaliação é repetida. Adquirir experiência nesta atividade requer um entendimento de que há diferentes razões para se realizar uma avaliação nutricional, diferentes abordagens para completá-la e diferentes ferramentas que podem ser utilizadas. Portanto, os resultados podem ser melhores ajustando a melhor abordagem para cada situação específica. No entanto, há também uma necessidade de se considerar os erros envolvidos em uma avaliação nutricional na interpretação dos dados coletados. Este artigo do Sports Science Exchange descreve as opções disponíveis para a realização de uma avaliação nutricional, assim como um entendimento de como os resultados da avaliação necessitam ser vistos à luz das limitações remanescentes. É necessário se lembrar que quase todos os métodos interrogativos das pesquisas alimentares têm sido realizados em populações não-atléticas; portanto, alguns dos comentários são por necessidade baseados em experiência profissional ao invés de em investigação sólida. Informações gerais adicionais sobre a metodologia de investigação nutricional estão disponíveis nas excelentes revisões de Bingham (1991) e Thompson e Subar (2008).
RAZÕES PARA A COLETA DE INFORMAÇÕES NUTRICIONAIS
Dois cenários básicos explicam por que os atletas podem querer coletar informações sobre sua ingestão alimentar. No primeiro, o interesse em avaliar o que um atleta realmente consome durante um período em que ele faz suas próprias escolhas alimentares. O principal objetivo desta atividade, normalmente chamada de avaliação nutricional, é investigar o que está acontecendo na prática sem influenciar o processo. Este cenário ocorre na nutrição esportiva em uma variedade de situações de pesquisa ou em serviços de suporte ao atleta, cada um com seus próprios desafios e objetivos específicos (Tabela 1). Geralmente, métodos de avaliação nutricional são divididos em estratégias que são retrospectivas (o que o atleta consumiu no passado) e aquelas que são prospectivas (o que acontece em um período de tempo no futuro). Há quatro principais métodos utilizados nos últimos 50 anos para avaliar as práticas alimentares dos atletas (Tabela 2).
O segundo cenário, conhecido como monitoramento alimentar ou automonitoramento, tira vantagem da limitação de muitos outros métodos de avaliação nutricional – de que um indivíduo irá alterar seu consumo alimentar durante o processo de monitoramento. Uma ferramenta essencial para ajudar um atleta a mudar seus hábitos alimentares é aumentar a sua própria consciência em relação aos seus comportamentos e os fatores que os sustentam. Um atleta provavelmente irá melhorar as suas escolhas alimentares e o controle das porções quando é responsável por suas ações em tempo real ou diretamente associando os seus comportamentos com os resultados obtidos. Receber feedback positivo sobre as melhorias relacionadas às práticas alimentares e identificar os fatores que as sustentam pode ser uma estratégia valorosa na consolidação de novos hábitos. Os protocolos e ferramentas utilizados para atividades de monitoramento nutricional podem diferir daqueles da avaliação nutricional devido aos diferentes objetivos, e são discutidos em um outro artigo do Sports Science Exchange.
MENSURAÇÃO RETROSPECTIVA DA INGESTÃO ALIMENTAR
Métodos retrospectivos incluem o histórico alimentar (uma entrevista guiada geralmente utilizada para obter impressões sobre o consumo habitual, frequentemente configurado como um dia típico), o recordatório 24 horas (que investiga a ingestão de um dia específico) e o questionário de frequência alimentar (um resumo da ingestão habitual de diferentes categorias de alimentos). Um princípio comum generalizado para cada uma dessas técnicas é que elas são bastante dependentes da habilidade do atleta em se lembrar dos tipos e quantidades de alimentos e bebidas consumidos durante o período de interesse específico, no passado. Estes métodos falham quando o atleta se sente envergonhado ou não tem vontade de revelar seu verdadeiro padrão alimentar, ou não é capaz de fornecer boas descrições dos tipo e quantidades de alimentos/bebidas ingeridos durante este período. O recordatório 24 horas é o protocolo utilizado com menor frequência, porque as ocasiões em uma pesquisa ou na própria vida do atleta onde temos o interesse em saber sobre o que aconteceu em um único dia específico não são tão comuns quanto outros interesses. Os questionários de frequência alimentar e histórico alimentar geralmente tentam avaliar a ingestão por maiores períodos de tempo, o que é valoroso na obtenção de uma perspectiva a longo prazo dos padrões alimentares. Contudo, estas técnicas são dependentes da memória do atleta e visões sobre o seu verdadeiro consumo e são prejudicadas quando o atleta não é bom em se recordar e/ou tem um estilo de vida complicado que é difícil de ser resumido.
Tabela 1: Exemplos de cenários de avaliação ou monitoramento nutricional na nutrição esportiva.
Exemplo | Comentários | |
Alimentação | Estudo descritivo das práticas alimentares de um grupo de atletas | Geralmente, o trabalho científico de tal estudo compara os resultados das diretrizes nutricionais ou trabalhos na literatura com outros grupos de atletas. Às vezes, pode haver um número de atletas suficiente na pesquisa para se realizar a comparação entre os diferentes grupos ou diferentes períodos da observação. Normalmente, os resultados são relatados como ingestão média/ao longo de um período de interesse em relação à energia, macronutrientes e micronutrientes, apesar de algumas vezes poder haver uma classificação na proporção dos atletas que fracassam em atingir as recomendações. Alguns estudos focam em períodos específicos (treinos vs. competições) ou práticas nutricionais específicas (carga de carboidratos). |
Estudo das necessidades nutricionais específicas de atletas | Normalmente, o parâmetro do estado nutricional é medido (por exemplo, o status de ferro, o status de micronutrientes, estoques de glicogênio) e correlacionado com a ingestão alimentar dos nutrientes essenciais. Estudos com amostras pequenas não podem estabelecer verdadeiros valores de referência dos nutrientes, mas podem identificar se os atletas aumentaram as necessidades para alguns nutrientes ou atingiram certos objetivos nutricionais (exemplo, diretrizes para ingestão diária de carboidratos para os treinos). | |
Estudo da relação entre a ingestão alimentar e aspectos do estado nutricional, saúde ou performance de atletas | Geralmente, o parâmetro de interesse (por exemplo, as taxas de doenças, saúde óssea, status menstrual, performance) é medido em um grupo de atletas e correlacionado com parâmetros de ingestão alimentar. Estudos transversais podem apenas mostrar associações ao invés de causa e efeito. | |
Estudos longitudinais da ingestão alimentar, incluindo alterações devido a uma intervenção | Estudos estão frequentemente interessados em investigar alterações na ingestão alimentar devido a uma intervenção planejada (por exemplo, educação ou aconselhamento nutricional), ou alterações aleatórias (por exemplo, uma mudança para uma nova localidade). Às vezes o estudo também irá avaliar alterações em um resultado de interesse (por exemplo, parâmetros de performance ou saúde) e tentar relacionar com as alterações nutricionais. | |
Estratégias nutricionais padronizadas | Em estudos da performance atlética, a ingestão alimentar é padronizada por um período (por exemplo, 24-48 horas) anteriormente ao teste na tentativa de melhorar a confiabilidade na medida de performance. Avaliações da ingestão durante o período padronizado são frequentemente realizadas para checar adequação com o protocolo do estudo. | |
Serviço de suporte ao atleta | Nutricionistas esportivos que trabalham com indivíduos ou grupos de atletas irão querer avaliar as práticas alimentares do passado e atuais, relacionando estas práticas aos resultados de performance e saúde. | |
Monitoramento nutricional | Monitoramento nutricional | É realizado um registro da ingestão alimentar para aumentar a autoconsciência do atleta de seus hábitos alimentares e ingestão de nutrientes. O registro pode necessitar que o atleta identifique fatores que influenciam sua ingestão de alimentos (por exemplo, o ambiente alimentar, a fome, emoções) ou outros resultados da alimentação (por exemplo, performance no treino, conforto intestinal). O foco específico como objetivo pode ser o comportamento de atletas que desejam mudar seus hábitos para ajudá-los a consolidar as novas práticas. |
O histórico alimentar é comumente utilizado por nutricionistas esportivos para a obtenção de uma visão inicial sobre a prática alimentar de um atleta. Apesar de não oferecer uma avaliação quantitativa precisa da ingestão de nutrientes, tem seu valor na obtenção do padrão de refeições, lanches, ingestão alimentar próxima de treinos ou eventos e sobre a utilização de suplementos. Ele requer uma técnica habilidosa de entrevista para recolher informações com o mínimo de viés, averiguar as informações coletas, e investigar os fatores que contribuem para o padrão de consumo. Apesar de apresentar um desafio em relação à habilidade do atleta em descrever precisamente os tamanhos das porções usuais das escolhas de bebidas e alimentos, a utilização de modelos ou fotos com o tamanho da porção pode ajudar o atleta a melhor descrever as quantidades ingeridas.
O questionário de frequência alimentar (QFA) pode ser implementado por um entrevistador experiente, mas também pode ser autoadministrado pelo próprio atleta, utilizando papel ou formato eletrônico para economizar tempo e recursos. Solicitar aos atletas que identifiquem a frequência com que eles consomem uma variedade de certos alimentos/bebidas pode alcançar um resumo da dieta em geral, mas tende a superestimar a ingestão de indivíduos que consomem pouca energia e subestimar a ingestão de indivíduos que se alimentam em excesso. Especialmente, ele elimina algumas informações do interesse dos nutricionistas esportivos – por exemplo, quando um alimentos ou bebida é consumido e o que mais é ingerido ao mesmo tempo. Questionários de frequência alimentar são mais utilizados para avaliar a ingestão de um nutriente ou fator alimentar de interesse específico – exemplo, antioxidantes e cálcio – onde, preferencialmente, o QFA foi validado comparando as respostas com um biomarcador de ingestão ou estado nutricional do componente (Braakhuis et al., 2011). Novamente, modelos ou fotos de alimentos e tamanho das porções podem ajudar a melhorar a precisão na identificação ou quantificação da ingestão alimentar.
Tabela 2: Métodos utilizados tradicionalmente para a coleta de informações sobre a ingestão alimentar.
Visão Geral dos Métodos | Período de Interesse | Vantagens | Desvantagens | |
Retrospectivos | ||||
Recordatório 24 horas | O indivíduo descreve os alimentos consumidos nas últimas 24 horas ou em um “dia típico” | 24 horas | • Velocidade da implementação
• Pouca pressão no indivíduo • Entrevista pode ser estruturada ao redor de atividades diárias • Não altera a ingestão • Adequado para pesquisa epidemiológica |
• Depende da honestidade, memória e conhecimento nutricional do indivíduo
• Necessita de um entrevistador experiente • Dia do recordatório pode ser atípico • Adequado para pesquisas de grupos, mas não é representativo da ingestão normal do indivíduo |
Questionário de Frequência Alimentar (QFA) | É questionado aos indivíduos a frequência com que eles consomem alimentos de uma lista padronizada e para estimar os tamanhos das porções utilizando com frequência fotos ou modelos dos alimentos como auxílio | De um período de 24 horas a um período sem data determinada | • Pode ser autoadministrado para reduzir a responsabilidade e pressão no investigador
• Pode ser utilizado para checagem dos dados obtidos por outros métodos • Validado para classificação de indivíduos • Pode ser modificado de acordo com o objetivo nutricional, como por exemplo, para focar em nutriente específico • Pode ser automatizado para permitir rápido processamento pelo investigador |
• Depende da honestidade, memória, alfabetização e conhecimento nutricional do entrevistado
• Validação dependente da lista de alimentos e método de quantificação |
Histórico alimentar | Entrevista sem data determinada em relação à utilização dos alimentos, preparações, tamanhos de porções, preferências alimentares e um checklist alimentar | Sem data determinada por um período de tempo específico | • Contabiliza a variação diária na ingestão alimentar por investigar um “dia habitual”
• Pode indicar contrastes entre os períodos de interesse como um subtema • Coleta de informações no tempo da ingestão e de fatores que influenciam os padrões alimentares |
• Depende da honestidade, memória e conhecimento nutricional do entrevistado
• Trabalho intenso e com grande consumo de tempo • Necessita de entrevistador experiente • Mais apropriado para avaliação qualitativa do que quantitativa |
Prospectivos | ||||
Diário alimentar escrito (registro alimentar) | Com pesagem | Pode ser realizado de 1-7 dias, com maior habilidade de monitorar a ingestão habitual à medida que a duração aumente, mas com risco de menor aderência | • Fornece uma quantificação mais precisa dos alimentos do que com a utilização de medidas caseiras
• Considerada o “padrão ouro” para a avaliação nutricional |
• Depende da honestidade e conhecimento nutricional do participante
• Consome tempo considerável para o indivíduo realizar e manter a atividade e para o investigador processá-la • Distorce as escolhas alimentares e as quantidades: o indivíduo pode alterar sua dieta para melhorar sua ingestão ou reduzir o trabalho de registrar fidedignamente |
Medidas caseiras (descrições de xícaras, colheres, porções com dimensões dos alimentos etc.) | • Melhora a aderência dos indivíduos em comparação com registros com pesagem
• Menos alterações dos padrões alimentares habituais em comparação com registros com pesagem ou semi-pesagem |
• Ver comentários para os registros com pesagem
• Necessita de validação por pessoa experiente • Necessita de um kit padronizado de medidas caseiras • Avaliação subjetiva/imprecisa dos tamanhos das porções |
MENSURAÇÃO PROSPECTIVA DA INGESTÃO ALIMENTAR: O DIÁRIO ALIMENTAR
O diário alimentar ou recordatório alimentar é o protocolo de avaliação nutricional mais popular em pesquisas e práticas de nutrição esportiva. Conseguir com que o atleta relate o que ele consome por um período determinado parece uma atividade simples, mas na realidade, há maior complexidade envolvida em fazer deste exercício uma atividade relevante. Os diários alimentares sugerem monitorar a ingestão alimentar por um período específico, que geralmente representa o período de interesse. Este período pode variar de um programa nutricional a curto-prazo (por exemplo, o período de 48 horas anterior a realização do teste da pesquisa ou a ingestão de um ciclista durante uma corrida com fases em diversos dias) sobre a dieta habitual do atleta. Variações da técnica tradicional do diário alimentar incluem o número de dias que serão registrados e os métodos de quantificação das porções dos alimentos (exemplo, técnicas de pesagem direta ou descrição através de medidas e dimensões caseiras). Métodos tradicionais de registro com papel e caneta colocam uma grande responsabilidade sobre o atleta e assumem que ele seja letrado, motivado e organizado o suficiente para registrar fielmente seu consumo pelo período solicitado.
Há diversas fontes de erros nas avaliações prospectivas:
- A) O atleta altera seu padrão alimentar ou suas escolhas alimentares durante o período de registro do diário alimentar de forma que não refletem sua ingestão habitual.
- B) O atleta registra sua ingestão alimentar de maneira não precisa para melhorar a percepção do que ele está consumindo (exemplo ele omite ou subestima a ingestão de alimentos ou refeições considerados indesejáveis, ou relata de maneira falsa a ingestão de alimentos considerados desejáveis).
- C) O atleta comete erros de quantificação ou de descrição no registro em relação à sua ingestão alimentar.
Os protocolos de diário alimentar normalmente apresentam “escolhas” relacionadas ao “custo-benefício”. Por exemplo, o registro do peso do alimento fornece uma confiança na precisão da informação quantificada. No entanto, pesar todos os alimentos – incluindo componentes individuais em uma refeição ou prato – aumenta a carga sobre o atleta e geralmente tende a resultar na alteração da ingestão alimentar, já que o atleta escolhe os alimentos que são mais simples para a realização do processo, ou em alguns casos totalmente pula a ocasião da refeição. Outra escolha é em relação à duração do processo do diário alimentar: um aumento no número de dias de registro aumenta a probabilidade que ele represente o consumo habitual, mas reduz a conformidade mostrada pelos indivíduos em manter um registro preciso.
Em populações em geral, um diário de 3-4 dias é normalmente considerado um “meio-termo” para a investigação da ingestão alimentar de um grupo, mas é sempre reconhecido que ele fornece uma estimativa pobre da verdadeira ingestão dos indivíduos. Já que nos alimentamos de maneira diferente no dia a dia, há uma variabilidade considerável na nossa ingestão diária de energia e nutrientes. Algumas características alimentares são estáveis, enquanto outros nutrientes são menos distribuídos de maneira uniforme nos alimentos, significando que a ingestão diária flutua significativamente e afeta a precisão da estimativa de um diário alimentar (Basiotis et al., 1987 Braakhuis et al., 2003). Um estudo com a população em geral (Basiotis et al., 1987) sugeriu que: 1) Podem ser necessários 14-30 dias de registro para estimar uma ingestão individual até mesmo dos nutrientes mais estáveis, em 10% do seu consumo real a longo-prazo, 2) Pelo menos 7 dias são necessários para classificar os indivíduos em um grupo como consumidores que ingerem maior ou menor quantidade de energia e nutrientes, e 3) Diversas ordens de grandeza são necessárias para avaliar precisamente a ingestão de um indivíduo em relação aos diversos nutrientes. Adicionalmente, 4) Ter pelo menos 15 indivíduos em uma pesquisa iria permitir uma estimativa razoável da ingestão média do grupo em relação aos nutrientes estáveis (energia, carboidratos) em 4-5 dias de registros, 5) Nutrientes moderadamente estáveis (exemplo, ferro) podem necessitar do dobro do tamanho da amostra ou de dias de registro, e 6) Nutrientes altamente variáveis (exemplo, vitamina A e C, colesterol) poderiam necessitar > 40 dias ou > 200 indivíduos para originar uma avaliação precisa (Basiotis et al., 1987). Uma maneira prática de se obter um intervalo de registro maior é se ter grupos ou indivíduos mantendo diversos registros mais curtos por um período de tempo, consequentemente aumentando o total do número de dias de registro enquanto a desistência no cumprimento dos registros é reduzida.
Poucos estudos examinaram o período ideal de registro para atletas olhando sistematicamente as questões de adequação dos registros ou variabilidade dia após dia na ingestão de alimentos/nutrientes. A experiência profissional sugere que alguns atletas são aplicados – ou mesmo super exigentes – em manter seus registros, acostumados com os aspectos das mensurações em suas vidas, com detalhes precisos e motivados pela ideia de que a atividade poderia levar a um melhor resultado na performance. Estes indivíduos podem também conseguir registrar um diário com 7 dias, com grande precisão e sem uma grande pressão sobre si mesmos. Conseguir monitorar a duração de microciclos de treinamentos pode ser muito útil, já que permite uma avaliação do quanto bem os padrões de ingestão de alimentos e bebidas acompanham as diferentes necessidades dos treinos e competições. Repetir esta avaliação em momentos diferentes do calendário esportivo iria aumentar o panorama geral das práticas nutricionais do atleta. De maneira oposta, outros atletas são candidatos ruins para a realização de diários alimentares, já que um estilo de vida sobrecarregado pode deixar pouco tempo ou entusiasmo para manter o registro em tempo real da ingestão alimentar, enquanto a imposição por parte do técnico em relação a uma atividade que requer esforço quando o atleta está desinteressado em nutrição provavelmente não irá atingir um resultado proveitoso.
ERROS DE REGISTRO NOS DIÁRIOS ALIMENTARES
Os diferentes erros nos diários alimentares afetam os resultados de diversas maneiras. Em alguns casos, o erro envolve o registro impreciso (o atleta ingeriu o alimento que ele não contabilizou), enquanto em outros, o problema é a alimentação atípica (o atleta comeu o alimento, mas não reflete sua prática alimentar habitual). Um estudo extenso sobre a acurácia de diários alimentares na população em geral encontrou que o viés dos erros dos registros equivocados estão relacionados ao menor relato da ingestão alimentar habitual. Uma revisão sistemática encontrou que ~30% dos entrevistados em pesquisas nutricionais relatou significativamente menos em relação à sua ingestão real e em estudos transversais, a ingestão de energia relatada foi ~15% menor (Poslusna et al., 2009). Fatores que parecem prever subnotificação na população em geral incluem ser um indivíduo que consome grande quantidade de energia, estar acima do peso e/ou estar preocupado em relação ao seu peso (Livingstone & Black, 2003).
Embora seja tentador aplicar um fator de correção de maneira geral aos resultados dos estudos, isto é inadequado para os indivíduos, já que em qualquer pesquisa aplicada a um grupo provavelmente terão indivíduos que relatam uma ingestão consideravelmente maior de energia, aqueles que relatam uma ingestão menor e aqueles que relatam a ingestão de maneira coerente. Além disso, há evidências de que mesmo se o grau de erro do relato de energia pudesse ser averiguado, não necessariamente estaria correlacionado com o erro de relato na ingestão de nutrientes. Alguns tipos de alimentos ou ocasiões alimentares são mais prováveis de serem mal relatadas do que outras, seja pela inconveniência em se relatar (exemplo, lanches), pela falha em reconhecer que eles representam a ingestão (exemplo, alimentos e bebidas consumidos durante o exercício) ou o desejo de parecer se alimentar melhor do que acontece na realidade (exemplo, redução de alimentos ricos em gorduras e açúcares, aumento das frutas e hortaliças).
Na nutrição em geral, pesquisadores tentam validar métodos de pesquisa nutricional ou os dados coletados com três diferentes abordagens. Eles podem comparar a informação coletada com os resultados de outro método, como o QFA em comparação com o diário alimentar. Isto não é inteiramente satisfatório já que geralmente envolve a comparação de um grupo/tipo de erro com outros. A comparação com a observação da real ingestão é uma atividade para possível validação, mas é complicado de alcançar, particularmente em longo-prazo. A comparação da ingestão alimentar ou estado dos nutrientes com um marcador isoladamente é normalmente o método preferível, com as opções incluindo as comparações com relatos do próprio indivíduo sobre a ingestão de proteínas e sódio até medidas da urina em relação ao nitrogênio ou ao sódio (Hedrick et al., 2012). Poucas pesquisas deste tipo foram realizadas em atletas.
A abordagem mais comum para checar a validação do diário alimentar é comparar a ingestão de energia com uma medida hipotética do gasto de energia avaliado, observando as alterações na composição corporal para estimar o excesso ou a deficiência de energia, e portanto, um marcador de registro menor ou maior da ingestão habitual/necessária. Em ambientes de pesquisa, o gasto de energia pode ser mensurado em uma câmara metabólica, nos indivíduos que tem uma vida comum, pode ser medido com água duplamente marcada (Livingstone & Black, 2003; Trabulsi & Schoeller, 2001). Diversos estudos sofisticados do balanço energético foram realizados em atletas e a maioria encontrou discrepâncias entre a ingestão de energia relatada e as necessidades energéticas (Magkos & Yannakoulia, 2003). Equações de previsão e aparelhos de monitoramento que podem ser “utilizados no corpo ou vestidos” (exemplo, “Sensewear”) oferecem um outro nível de avaliação do gasto de energia, tanto em ambientes de pesquisas quanto ambientes da vida cotidiana, apesar da necessidade de certa cautela em relação à sua habilidade de representar precisamente o gasto de energia em atividades esportivas de alto nível. Muitos pesquisadores e profissionais adotam o ponto de corte de Goldberg (Goldberg et al., 1991), que observa um relato de ingestão de energia em relação à taxa de metabolismo basal, medido ou previsto, para identificar padrões de alimentação habituais plausíveis, e portanto, um erro de relato significativo em um recordatório alimentar (Livingstone & Black, 2003).
ERROS NA ANÁLISE QUANTITATIVA DE NUTRIENTES
Apesar dos pesquisadores e profissionais da saúde frequentemente avaliarem dados de ingestão de nutrientes qualitativamente, examinando os padrões da ingestão alimentar à luz de comportamentos nutricionais recomendados, o objetivo de muitas atividades de avaliação nutricional é obter a avaliação quantitativa da ingestão de energia e de nutrientes. A realização tradicional da avaliação quantitativa envolve a interpretação pelo investigador dos dados nutricionais relatados pelo próprio indivíduo (exemplo, diário alimentar), codificação das decisões e a entrada dos dados em um programa de análise nutricional computadorizada. Estes programas acessam um banco de dados da composição dos alimentos que variam em termos da fonte de dados da composição dos alimentos, do número de alimentos inclusos, da variedade de nutrientes para a qual os dados estão disponíveis e o método de análise utilizado para a obtenção dos dados nutricionais. Apesar dos programas de análise nutricional serem agora amplamente disponíveis e fáceis de utilizar, é recomendado que a entrada dos dados e a interpretação das informações da pesquisa nutricional permaneçam sendo o papel de investigadores adequadamente treinados para utilizar as técnicas padronizadas e de checagem (Braakhuis et al., 2003). Isto pode ajudar a eliminar erros e a reduzir a variabilidade nas decisões, como a quantificação de porções dos alimentos descritos pelos indivíduos, e a correspondência dos alimentos descritos aos alimentos contidos no banco de dados. Certamente, a disponibilidade da validação dos dados de composição dos alimentos nestes programas de análise representam a maior limitação ao final de um processo de avaliação nutricional.
NOVAS TECNOLOGIAS PARA A AVALIAÇÃO NUTRICIONAL
Os métodos tradicionais de avaliação nutricional foram desenvolvidos em grande parte como atividades “de papel e caneta” apesar de que em alguns casos, como os QFAs, houve uma rápida evolução dos questionários em papel para formatos eletrônicos que poderiam ser preenchidos e avaliados automaticamente. Esta mecanização reduz substancialmente a pressão e responsabilidade no indivíduo e também no avaliador. Contudo, ao longo da última década, avanços tecnológicos permitiram a evolução da apresentação de novas opções para substituir os questionários escritos e os diários. Há uma ampla gama de novas maneiras nas quais as informações sobre a ingestão alimentar podem ser coletadas e processadas, aproveitando a utilidade, portabilidade e o fato de estarem por toda a parte em relação aos aparelhos eletrônicos nos dias de hoje (Tabela 3). Muitas destas opções fornecem variações do diário alimentar com características que são adequadas à avaliação nutricional e/ou atividades de monitoramento nutricional. Atualmente, estudos estão sendo conduzidos para identificar o quanto as características destas tecnologias e técnicas podem melhorar o processo da coleta de informações nas práticas alimentares de populações específicas, incluindo os atletas (para revisões, veja Illner et al., 2012; Lieffers & Hanning, 2012; Stumbo, 2013). Apesar da tentação de simplesmente comparar as conclusões aos resultados coletados por outra técnica de investigação, é esperado que os estudos sejam realizados para validar os dados nutricionais, os comparando com marcadores mais próximos da realidade como os biomarcadores ou observações diretas da ingestão alimentar. É provável que apesar de algumas possíveis ou reais vantagens destas novas tecnologias, sempre haverá problemas remanescentes com a obtenção de informações nutricionais relatadas pelo próprio indivíduo em qualquer população.
RESUMO E IMPLICAÇÕES PRÁTICAS
- As seguintes questões devem ser consideradas quando for escolher um método de avaliação nutricional:
Validação: a técnica foi validada ou explorada em relação aos atletas?
Pressão e responsabilidade em relação ao indivíduo: o quanto complicado é, quanto tempo é gasto ou o quanto as demandas são invasivas?
Características do indivíduo: o quanto alfabetizado, motivado e bem informado em relação à alimentação ele é? O que ele quer obter desta atividade?
Pressão e responsabilidade em relação ao pesquisador: quanto tempo, experiência e recursos são necessários para coletar as informações?
Investigação do ambiente: quais desafios são apresentados em relação ao atleta durante o período de avaliação? Ele ficará distraído com as informações ou será de alguma maneira ameaçado pelas informações que estão sendo coletadas?
Características de interesse: estamos interessados na ingestão de energia, macronutrientes, micronutrientes, outros componentes alimentares, momento de consumo ao longo do dia ou em relação ao exercício, ou interação dos nutrientes consumidos ao mesmo tempo?
Resultados da avaliação: queremos informações quantitativas, qualitativas ou de classificação? Estamos interessados na ingestão habitual ao longo de um período ou ingestão específica em um curto período de tempo?
- Onde os métodos prospectivos são utilizados (como, diário alimentar) é razoável esperar que a maioria dos atletas irá relatar ou consumir menos, em comparação com a sua ingestão habitual:
Os atletas que são conscientes em relação ao seu peso/seu estado psicológico ou insatisfeitos com sua imagem corporal apresentam maior risco de cometer erros em relatar significativamente menor quantidade/frequência que a realidade.
Uma melhor precisão em avaliações nutricionais com relatos feitos pelo próprio indivíduo podem ser esperadas de atletas que são confiantes em relação aos seus hábitos alimentares e a sua imagem corporal, e motivados em receber feedback construtivo.
O treinamento dos indivíduos provavelmente irá melhorar as habilidades em manter seus registros.
O processamento dos dados dos registros da alimentação deve ser realizado por um profissional qualificado utilizando técnicas padronizadas.
Os resultados dos diários alimentares devem ser interpretados considerando as questões como o menor relato ou erro de relato, com checagem da ingestão de energia em comparação com o gasto energético medido ou presumido, o que pode fornecer informações em relação aos erros no relato.
Tabela 3: Novas tecnologias e técnicas para a avaliação nutricional
Exemplos de Novos Protocolos | Potenciais Benefícios Associados com Novas Ferramentas e Técnicas |
• Questionários de frequência alimentar baseados na internet e sistemas de recordatórios 24 horas utilizando imagens para guiar as seleções de porções alimentares
• Plataformas com Assistente Pessoal Digital para registrar os diários alimentares eletronicamente a partir de um banco de dados de alimentos • Tecnologia de cartão inteligente para registrar as refeições escolhidas por colegas de um ambiente fechado (exemplo, escolas, hospitais, prisão) • Aplicativos em Smartphones e tablets para registrar diretamente a ingestão alimentar a partir de um banco de dados personalizado, processando a composição nutricional e transmitindo os dados aos profissionais de nutrição esportiva • Fotografia digital em smartphones que registram o tempo e confirmam a ingestão alimentar • Tecnologia integrada que pode até mesmo identificar a quantidade da ingestão alimentar a partir das imagens |
• Melhora da aderência com o registro da ingestão alimentar em tempo real já que aparelho eletrônico (exemplo, celular) pode já ser um acessório habitual no estilo de vida do atleta
• Técnicas alternativas para obter informação sobre descrições de alimentos/bebidas (exemplo, a partir de um código de barras escaneado) ou tamanhos das porções (exemplo, cálculo automático a partir de fotos digitais) ou alimentos que possam ser menos confiáveis em relação à motivação ou conhecimento nutricional do atleta • Menos parcial em alterar padrões nutricionais habituais já que o ato de registrar (exemplo, escanear, fotografar) pode ser menos invasivo, e assim, reduzir a pressão ou amenizar a autoconsciência associadas com o autorrelato • No caso de populações com relativa experiência digital, que inclui a maioria dos atletas, a familiaridade e a facilidade na utilização • Habilidade de interação automática da informação sobre a ingestão dos alimentos e bebidas com banco de dados de análise de composição nutricional, avaliação e feedback: minimiza erros de manuseio e pressão com o tempo nos pesquisadores e nutricionistas esportivos • Habilidade de transferência eletrônica da informação em tempo real, permitindo uma interação rápida e remota com os nutricionistas esportivos ou outras fontes de feedback • Integração eletrônica com outros dados como logaritmo de treinamentos, cálculos de gasto energético parâmetros de saúde e psicológicos |
As novas tecnologias e técnicas de avaliação nutricional oferecem vantagens de maior eficiência e menor sobrecarga no indivíduo ou no pesquisador. Contudo, a validação destas técnicas é necessária antes de podermos ter certeza de suas vantagens e desvantagens.- A interpretação de informações obtidas de relatos feitos pelo próprio indivíduo sobre a ingestão alimentar deve ser filtrada cuidadosamente, utilizando-se insights sobre a ferramenta de avaliação nutricional e do atleta que a utilizou.
REFERÊNCIAS
Basiotis, P.P., S.O.Welsh, F.J.Cronin, J.L. Kelsay, and W. Mertz (1987). Number of days of food intake records required to estimate individual and group nutrient intakes with defined confidence. J. Nutr. 17:1638-1641.
Bingham, SA. (1991). Limitations of the various methods for collecting dietary intake data. Ann. Nutr. Metab. 35:117-127.
Braakhuis, AJ, K. Meredith, G.R. Cox, W.G. Hopkins, and L.M. Burke (2003). Variability in estimation of self-reported dietary intake data from elite athletes resulting from coding by different sports dietitians. Int. J. Sport Nutr. Exerc. Metab. 13:152-165.
Braakhuis, A.J., W.G. Hopkins, T.E. Lowe, and E.C. Rush (2011). Development and validation of a food-frequency questionnaire to assess short-term antioxidant intake in athletes. Int. J. Sport Nutr. Exerc. Metab. 21:105-112.
Goldberg, G.R., A.E. Black, S.A. Jebb, T.J. Cole, P.R. Murgatroyd, W.A. Coward, and A.M. Prentice (1991). Critical evaluation of energy intake data using fundamental principles of energy physiology: 1. Derivation of cut-off limits to identify under-recording. Eur. J. Clin. Nutr. 45:569-581.
Hedrick, V.E., A.M. Dietrich, P.A. Estabrooks, J. Savla, E. Serrano, and B.M. Davy (2012). Dietary biomarkers: advances, limitations and future directions. Nutr. J. 14;11:109.
Illner, A.K., H. Freisling, H. Boeing, I. Huybrechts, S.P. Crispim, and N. Slimani (2012). Review and evaluation of innovative technologies for measuring diet in nutritional epidemiology. Int. J. Epidemiol. 41:1187-1203.
Lieffers, J.R., and R.M. Hanning (2012). Dietary assessment and self-monitoring with nutrition applications for mobile devices. Can. J. Diet. Pract. Res. 73:e253-60.
Livingstone, M.B., and A.E. Black (2003). Markers of the validity of reported energy intake. J. Nutr. 133:895S-920S.
Magkos, F., and M.Yannakoulia (2003). Methodology of dietary assessment in athletes: concepts and pitfalls. Curr. Opin. Clin. Nutr. Metab. Care. 6:539-549.
Poslusna, K., J. Ruprich, J.H. de Vries, M. Jakubikova, and P. van’t Veer (2009). Misreporting of energy and micronutrient intake estimated by food records and 24 hour recalls, control and adjustment methods in practice. Br. J. Nutr. 101:S73-S85.
Stumbo, P.J. (2013). New technology in dietary assessment: a review of digital methods in improving food record accuracy. Proc. Nutr. Soc. 72:70-76.
Thompson F.E., and A.F. Subar (2008). Dietary assessment methodology. In: A.M. Coulston, and C.J. Boushey (eds). Nutrition in the Prevention and Treatment of Disease. 2. San Diego: Academic Press.
Trabulsi, J., and D.A. Schoeller (2001). Evaluation of dietary assessment instruments against doubly labeled water, a biomarker of habitual energy intake. Am. J. Physiol. 281:E891-899.