PONTOS-CHAVE:

  • Os atletas são expostos a muitos estressores que podem aumentar o risco de lesões e enfermidades e causar fadiga excessiva. Estes incluem volume e carga de atividade física, perda de sono, viagens e estresse psicológico.
  • Duas abordagens sinergéticas para a análise, caracterização e monitoramento de biomarcadores sanguíneos no esporte, oferecem uma oportunidade para a obtenção de insights sobre o estado nutricional e fisiológico de um atleta. Estas abordagens podem ajudar a evitar treinos excessivos, lesões e enfermidades quando combinadas com outras informações contextuais.
  • Problemas comuns que podem ser identificados através de testes sanguíneos incluem: estado inadequado de vitamina D e ferro, baixa disponibilidade energética, inflamações persistentes, estresse oxidativo persistente e redução da atividade hormonal.  
  • Dados de testes sanguíneos são facilmente comprometidos por abordagens pré-análise ruins, por exemplo, coleta de amostra de sangue após exercício ou refeição. Para que os dados sejam válidos e confiáveis, uma série de considerações pré-analíticas devem ser seguidas.
  • Os valores normativos dos diagnósticos clínicos têm aplicação limitada no esporte. As variações adaptativas relacionadas a esportes específicos e atletas, no entanto, tornam possível a identificação de alterações significativas nos atletas que podem auxiliar as estratégias nutricionais e de recuperação.

 

INTRODUÇÃO

A equipe médica e das ciências do esporte é responsável em proteger ou melhorar a saúde de um atleta e sua resistência a lesões e doenças, enquanto se esforça para maximizar os ganhos de performance decorrentes do condicionamento físico. Algumas das variáveis importantes que podem ser ajustadas ou influenciadas são o volume e carga de atividade física, estratégias dietéticas e de recuperação incluindo sono, nutrição, compressão, crioterapia, etc. Ferramentas subjetivas para monitorar os atletas e para informar como estas variáveis deveriam ser ajustadas podem ser convenientes e de baixo custo, mas podem ser comprometidas por imprecisão, informações falsas e baixa adesão ao longo do tempo. Em contrapartida, biomarcadores sanguíneos oferecem uma abordagem objetiva para priorizar os esforços dos médicos e profissionais. No entanto, estes dados também podem ser comprometidos por abordagens pré-analíticas inadequadas, amostragem irregular e uma seleção inapropriada de biomarcadores.      

O conjunto de evidências que respaldam a utilização da análise de biomarcadores sanguíneos nos esportes tem se acumulado nos últimos 30 anos ou mais (Pedlar et al., 2019). Este artigo do Sports Science Exchange descreve alguns dos biomarcadores estabelecidos e emergentes de maior interesse por parte dos médicos e profissionais das ciências do esporte. São fornecidas diretrizes sobre como coletar dados da melhor qualidade possível, em conjunto com guias sobre técnicas estatísticas apropriadas para avaliar mudanças extensas nos biomarcadores dos atletas.

O QUE MEDIR?

A coleta e análise de dados de biomarcadores fornece fundamentos para a comunicação interdisciplinar e colaboração entre as equipes de medicina esportiva e ciências do esporte. Por exemplo, o nível de vitamina D é de interesse significativo para ambas as equipes, médica e nutricional nos cuidados de um atleta com histórico de lesão óssea. De maneira similar, marcadores do estado energético são de interesse da equipe médica, de fisiologia e nutricional no caso de um atleta de resistência que apresenta fadiga.

Biomarcadores do Estado Nutricional

Em geral, uma série de biomarcadores relacionados à nutrição podem ser avaliados no sangue com certas limitações e ressalvas envolvendo cada nutriente. Medir os nutrientes nos componentes sanguíneos (células vermelhas, brancas e no plasma) pode reduzir o tempo gasto em abordagens como o recordatório alimentar e análises. Larson-Meyer et al. (2018) forneceu um guia abrangente para avaliar cada nutriente por meio da análise de biomarcadores; na seção seguinte revisaremos alguns dos exemplos de interesse selecionados.

Ferro

A ingestão e estoques adequados de ferro sustentam a eritropoiese ou a produção de novas células vermelhas do sangue (RBC, do inglês red blood cells) e a manutenção ou aumento da massa de hemoglobina total com treinos de resistência, particularmente na altitude. Permanecendo sem serem avaliados, baixos estoques de ferro podem levar à anemia por deficiência de ferro com efeitos profundos na performance em exercícios de resistência. Mulheres estão particularmente em risco de deficiência de ferro devido às perdas de sangue menstrual (Pedlar et al., 2018). O nível do ferro é normalmente avaliado através da medida da ferritina sérica, que é de modo geral o melhor marcador dos estoques de ferro; no entanto, é possível que a ferritina possa estar relativamente baixa e o atleta possa continuar a se adaptar às atividades (Pedlar et al., 2013). A concentração de hemoglobina também é uma variável importante que pode constar como baixa devido a hemodiluição (expansão do volume plasmático) que está associada ao treino. Portanto, medidas da massa de hemoglobina total são recomendadas, mas quando não disponíveis, marcadores de morfologia das células vermelhas do sangue, para identificar células microcíticas (baixo volume) e/ou hipocrômicas (baixa hemoglobina), são recomendadas para identificar uma deficiência funcional de ferro (Archer & Brugnara, 2015; Burden et al., 2015). Recentemente a hepcidina surgiu como marcador importante no metabolismo do ferro, fornecendo um indicador da absorção de ferro. A suplementação com ferro resulta em um aumento agudo na hepcidina, orquestrando uma redução na absorção de ferro. É possível que não valha a pena suplementar com ferro na presença aumentada de hepcidina, já que a absorção será comprometida (Stoffel et al., 2020). No entanto, é importante notar que o exercício também aumenta a hepcidina transitoriamente, particularmente quando há inflamação pelo exercício (Peeling et al., 2014). Trabalhos futuros são necessários nesta área e a medição da hepcidina ainda não está amplamente disponível em laboratórios clínicos.

Vitamina D

A vitamina D surgiu como um importante biomarcador para atletas (Owens et al., 2018). O estado inadequado (baixo) de vitamina D, particularmente comum em latitudes mais ao norte onde a exposição à luz solar é baixa, tem sido relacionado com função imunológica e saúde óssea ruins e o reparo muscular comprometido. Trabalhos recentes têm destacado as limitações do exame estabelecido de vitamina D (25-OHD), no contexto da saúde óssea, já que foi observado que indivíduos afrodescendentes têm concentrações de vitamina D livre biodisponível dentro dos padrões, apesar dos níveis totais de 25-OHD consideravelmente mais baixos (Allison et al., 2018). Portanto, onde o exame está disponível, é a forma biodisponível da vitamina D (vitamina D-proteína de ligação) que deve ser medida. A deficiência de vitamina D está claramente associada com a imunidade comprometida e com o aumento das infecções no trato respiratório superior (He et al., 2016) e é facilmente corrigida por meio de abordagens nutricionais. 

Ácidos Graxos

A avaliação dos ácidos graxos, ácido docosa-hexaenóico (DHA, C22:6) e o ácido eicosapentaenóico (EPA, C20:5), que são incorporados nas membranas das células vermelhas do sangue se tornaram comuns em atletas, apesar de um conjunto de evidências relativamente escasso. O Índice Ômega-3 (OM3I), um biomarcador validado, confiável e reproduzível para a avaliação do nível de ômega-3, representa a porcentagem dos ácidos graxos de cadeia longa EPA e DHA como uma proporção (%) dos ácidos graxos totais nas células vermelhas do sangue (RBCs) (Harris, 2010). Ácidos graxos nas células vermelhas refletem a ingestão alimentar ao longo do mês anterior, e desta forma podem fornecer conhecimentos valiosos sobre a qualidade da dieta de um atleta. Os primeiros trabalhos identificaram o potencial dos ácidos graxos em modificar a inflamação (Calder, 2017); no entanto, muitos sistemas e/ou funções podem ser influenciados pelos níveis de ácidos graxos incluindo humor e cognição (Fontani et al., 2005), recuperação muscular (Black et al., 2018), função pulmonar (Mickleborough et al., 2003), concussão (Oliver et al., 2016) e função cardiovascular (Hingley et al., 2017). As evidências relevantes de pesquisas aos atletas estão resumidas em uma recente revisão sistemática (Lewis et al., 2020a).

Disponibilidade Energética 

A manutenção da disponibilidade energética é essencial para evitar os muitos resultados negativos possíveis associados com a deficiência de energia, como proposto recentemente no esquema “Deficiência de Energia Relativa no Esporte (RED-S)” (Mountjoy et al., 2018). Há diversos hormônios peptídicos e citocinas que servem como indicadores da disponibilidade energética e têm sido associados com treinos de resistência prolongados incluindo a leptina, grelina, interleucina (IL-6) e o fator de necrose tumoral alfa (Jurimae et al., 2011). Recentemente, a redução da triiodotironina total foi mais claramente relacionada com o estado de energia e adaptações aos treinos em nadadoras (mulheres) (Vanheest et al., 2014), e visivelmente responde à ingestão energética reduzida em atletas do sexo masculino (Friedl et al., 2000). A testosterona também é reduzida com a deficiência energética (Friedl et al., 2000) e é rapidamente restaurada com a maior ingestão de carboidratos da dieta (Lane et al., 2010).  

O monitoramento de biomarcadores para informar volume e carga de treino

Entender o momento de aumentar a carga e volume de treinos e quando reduzir essas cargas é uma desafio perene para treinadores e atletas. A utilização de testes sanguíneos “Point of Care” (POC) oferece uma oportunidade de resultados rápidos que podem ser acessíveis imediatamente aos cientistas do esporte para avaliar a recuperação de atletas, se coletados consistentemente. Biomarcadores do estresse oxidativo (por exemplo, hidroperóxidos lipídicos e proteicos, isoprostanos, carbonilas proteicas), da inflamação (exemplo, IL-6, proteína C reativa), danos musculares (exemplo, creatina quinase) e atividade hormonal (exemplo, testosterona, cortisol) podem informar a decisão de aumentar ou reduzir o volume e a carga de treinos. Infelizmente, apenas alguns destes estão disponíveis como testes “POC”.

Hormese é um termo utilizado na toxicologia que se refere à uma curva dose-resposta onde uma baixa dose representa estimulação inadequada, e uma alta dose possui efeito tóxico ou inibitório. Considere um determinado ponto hormético para um atleta no treinamento, que é influenciado pela soma de todos os estressores (geralmente aumentando a hormese) incluindo estressores metabólicos, ambientais, mecânicos, psicológicos, imunológicos e a soma de todas as práticas que auxiliam a recuperação (geralmente reduzindo o ponto hormético) incluindo a nutrição, sono, compressão e crioterapia. Se os biomarcadores mencionados acima são medidos frequentemente, eles conseguem gerar um indicador do ponto hormético determinado. Certamente, este é um esquema simplificado e mais pesquisas são necessárias para definir a influência de cada uma destas variáveis. No entanto, modelos horméticos têm sido descritos por diversos autores que têm declarado que o desvio muito acima deste ponto hormético determinado aumenta o risco de treinos excessivos, lesões e enfermidades, e reduz a capacidade de adaptação (Peake et al., Pingitore et al., 2015; et al., 2015). Nosso recente trabalho demonstrou que com evidências de maior estresse oxidativo, o risco de enfermidades e lesões aumenta proporcionalmente (Lewis et al., 2020b). Diversos outros estudos demonstraram que uma interação entre volume e carga de treino e estes biomarcadores, incluindo 1) aumentos contínuos de volume e carga de treino com recuperação insuficiente em ciclistas, resultando em estresse oxidativo elevado e platô na performance (Knez et al., 2014); 2) aumento de carga de treino em nadadoras (mulheres) com baixa disponibilidade energética resultando em redução de hormônios bioenergéticos (triiodotironina total, fator de crescimento semelhante à insulina) e má adaptações (Vanheest et al., 2014); e 3) diversos biomarcadores (estresse oxidativo, função imunológica e estado nutricional) flutuando ao longo da temporada em jogadores profissionais de rugby, com grande desordens observadas durante treinos intensificados (Finaud et al., 2006).

A adaptação aos treinos aeróbicos pode ser quantificada pela medida da resposta do lactato sanguíneo para controlar períodos de exercício, por exemplo, resposta mais baixa do lactato sanguíneo em uma intensidade similar de exercício. Além disso, espécies reativas de oxigênio e nitrogênio (ERONs) estão se tornando bem estabelecidas como importantes moléculas sinalizadoras para adaptações aos treinos (Margaritelis et al., 2018). Medir biomarcadores de estresse oxidativo em resposta ao exercício pode oferecer percepções sobre o potencial de adaptação de um atleta. Um estudo recente estratificou um grande grupo (n=100) em estresse oxidativo induzido pelo exercício baixo, moderado e alto. Maiores adaptações em um programa de treinos de 6 semanas foram observadas nos grupos “moderado e alto” tanto em variáveis de exercício aeróbico quanto anaeróbico, indicando que pelo menos uma alteração temporária na homeostase redox, neste caso descrita como estresse oxidativo, é necessária para estimular adaptações (Margaritelis et al., 2018). 

Risco de lesões e enfermidades

Em um estudo de Lewis et al. (2020b), lesões e enfermidades foram associadas com um índice maior de estresse oxidativo em atletas olímpicos do remo. Mais especificamente, os biomarcadores antioxidantes totais foram reduzidos em doenças e um biomarcador hidroperóxido aumentou com lesão. Utilizando um modelo de riscos proporcionais de Cox, um aumento de 0,5mmol/L no biomarcador antioxidante total exerceu um efeito de proteção de ~30% contra enfermidades (Lewis et al., 2020b). É importante notar que apesar destes ensaios serem bem apropriadas ao cenário das ciências do esporte aplicado, com alta precisão e conveniência “POC” (Lewis et al., 2016), a simplificação excessiva em se estabelecer um índice de estresse oxidativo destes tipos de ensaios tem sido advertida (Cobley et al., 2017) e portanto os dados devem ser interpretados com bastante cautela (Lewis et al., 2016). 

Em uma amostra de corredores de distância de elite do sexo feminino e masculino, o T3 baixo e baixa testosterona foram associados com maior risco de lesão (Heikura et al., 2018). Particularmente, atletas do sexo masculino com valores de testosterona no quartil mais baixo da amostra, tiveram uma taxa 4,5 vezes maior de fraturas por estresse (Heikura et al., 2014). Curiosamente, estes atletas estavam dentro dos valores clínicos normais para testosterona, demonstrando uma pouca utilidade dos valores de referência baseados na população (consulte a seção ANALISANDO DADOS DE BIOMARCADORES abaixo). Estes biomarcadores fornecem dados objetivos para informar estratégias de recuperação, por exemplo, melhora na periodicidade da ingestão de carboidratos para lidar com a questão de baixo estado energético.

Enquanto associações entre lesões ou enfermidades e biomarcadores do estado energético, hormônios sexuais e estresse oxidativo são relatados consistentemente, mais trabalhos são necessários para estabelecer o poder preditivo do monitoramento de biomarcadores na redução das perdas de dias de treinamento. No entanto, isto por si só é problemático devido à natureza ocasional de lesões e as muitas variáveis confusas nos contextos e configurações de alta performance. 

COMO COLETAR AMOSTRAS DE SANGUE  

Considerações Pré-Analíticas

É de suma importância coletar o sangue utilizando metodologia consistente, aderindo a regras pré-analíticas, se os dados forem utilizados para detectar alterações ao longo do tempo. A distribuição dos constituintes do sangue é dramaticamente alterada com o exercício. Se o exercício é prolongado, não habitual ou excessivo, pode haver evidências presentes no sangue por diversos dias após a atividade (Hill et al., 2014). A posição também pode resultar em alterações importantes no hematócrito, exemplo, inclinado vs. sentado vs. em pé (Lippi et al., 2015). É apresentada na figura 1 uma visão geral de todas as considerações pré-analíticas em conjunto com um grupo de oito recomendações simples para melhorar a qualidade dos dados de testes sanguíneos.

Figura 1. Considerações pré-analíticas na melhora da qualidade da amostragem sanguínea em conjunto com recomendações para os médicos. *OCP = pílula oral contraceptiva.

 

Tradução da figura:

10 CONSIDERAÇÕES PRÉ-ANALÍTICAS (AMOTRAS VENOSAS)

Hormônios Cortisol e Melatonina//Hora do dia (e dessincronização do relógio biológico, exemplo, jet lag)

Hematócrito, Hemoglobina //Posição

Gases Sanguíneo/Eletrólitos/Proteínas, Ferro //Aplicação do torniquete (duração)

Aplicação variada /Potássio/Bicarbonato //Centrifugação (momento entre a coleta e utilização)

Variados (risco de contaminação cruzada com substâncias do tubo coletor)//Ordem de coleta

Todas as células contam, hematócritos, hemoglobina, Creatina quinase da inflamação, Estresse oxidativo, Hormônios etc. //Exercício

Hematócritos/Proteínas/Eletrólitos//Estado de hidratação

Hormônios femininos/ Inflamação/ Estresse oxidativo// Dia do ciclo menstrual ou utilização de OCP*

Glicose/Nutrientes//Estado de jejum

Hormônio endócrino Cortisol//Estresse psicológico

 

RECOMENDAÇÕES

  1. Amostra após jejum da noite para o dia, antes de qualquer exercício
  2. Aplicar torniquete para tempo mínimo possível
  3. Seguir diretrizes para a ordem da coleta do laboratório ou fornecedor
  4. Centrifugar amostra imediatamente dependendo da análise planejada
  5. Considerar dia do ciclo menstrual ou utilização de OCP
  6. Atletas: Entre o momento de acordar e o da coleta, beber o mínimo de água de acordo com a sede com máximo de 500ml
  7. Atletas: Manter exercício leve no dia anterior à coleta, por exemplo, sem exercício de alta intensidade, resistência, excessiva longa duração ou não habitual
  8. Atleta: Adotar postura sentada por >10 minutos anteriormente à coleta

 

É recomendável coletar o mínimo de sangue possível do atleta. Para ilustrar este contexto, é bastante conhecido que atletas do sexo feminino estão em maior risco de deficiência de ferro devido às perdas sanguíneas menstruais (fluxo leve = <36,5ml por ciclo; fluxo pesado ~72,5ml por ciclo), o que pode ser a quantidade similar de sangue perdido na coleta de sangue de maneira geral, dependendo da eficiência do laboratório.  

Analisando Dados de Biomarcadores

Variações Normais

A identificação de desvios nos valores de referência baseados na população é o objetivo primordial do monitoramento de níveis individuais de biomarcadores na medicina e em esportes de elite. A evolução dos dados ao longo do tempo é frequentemente ignorada com dados pontuais individuais sendo comparados com valores de referência fixos derivados da população (exemplo, limites normais) baseados em amostras transversais saudáveis da população em geral. Na realidade, níveis característicos de biomarcadores em atletas de elite são diferentes em comparação com a maioria da população “em geral”, e valores normativos destes níveis deveriam portanto ser derivados de uma população de atletas de elite quando possível. O acúmulo de dados referentes a esportes específicos ou mesmo posições específicas pode ser benéfico para se estabelecer dados de corte mais úteis no auxílio da interpretação de dados de biomarcadores para aplicação em contextos esportivos. Alguns exemplos preciosos disto existem na literatura, exemplo da creatina quinase (Mougios, 2007) e níveis de ferro (Mettler e Zimmermann, 2010), apesar do Instituto Australiano do Esporte (1999) ter publicado valores normativos para atletas 20 anos atrás. Adicionalmente, os atletas são frequentemente tidos como fenótipos extremos distantes da curva geral e com grandes diferenças interindividuais e, portanto, mesmo os dados normativos baseados em atletas podem ser de pouca utilidade prática e assim variações individuais são provavelmente mais apropriadas.

Análise Longitudinal

Medidas repetidas dos mesmos atletas oferecem maior vantagem estatística e as análises deveriam obter vantagem da frequência dos dados derivados de monitoramento longitudinal, com informações da variabilidade do atleta para auxiliar na interpretação. Abordagens “bayesianas” são uma escolha natural onde medidas individuais anteriores são levadas em consideração para construir valores de referência personalizados para os dados monitorados, que se adaptem à uma variabilidade individual ao longo do tempo (Figura 2).


Figura 2: Uma variação adaptativa individual (sombra marrom) fornecendo maior precisão de diagnóstico em uma variação de referência clínica baseada na população (sombra rosa), para dois biomarcadores “A” e “B”.

Abordagens “bayesianas” para monitoramento do atleta têm sido utilizadas para estabelecer valores normativas individuais, como é o caso no “Passaporte Biológico do Atleta” (Sottas et al., 2010). Alguns exemplos desta abordagem que vem sendo implementada por cientistas do esporte estão aparecendo na literatura. Hecksteden e colegas (2017) criaram valores individuais para biomarcadores de recuperação muscular (creatina quinase e ureia) em ambos estados “recuperados” (antes do jogo) e “não-recuperados” (pós-jogo), fornecendo potencial para maior precisão diagnóstica (exemplo, recuperação ruim) em cada atleta individualmente. Adicionalmente, através da aplicação de valores de diferenças críticas, alterações significativas podem ser identificadas em um indivíduo já que variações biológicas e erros de medidas são considerados (Lewis et al., 2016).

 

APLICAÇÕES PRÁTICAS

  • Selecionar biomarcadores apropriados para a realização do perfil do atleta, incluindo avaliação nutricional. Já que estes controles gerais de biomarcadores requerem coleta de sangue venoso, eles devem acontecer apenas ocasionalmente, exemplo 4 vezes por ano.
  • Selecionar biomarcadores apropriados para monitoramento em testes “Point of Care” quando possível. Estes podem fornecer uma indicação do estado da recuperação do atleta com maior frequência, exemplo uma vez por semana.
  • Considerações pré-analíticas para amostragem sanguínea são essenciais para garantir que dados de boa qualidade e confiáveis sejam coletados aumentando as chances de identificar alterações fisiológicas em um atleta.
  • Biomarcadores sanguíneos apenas fornecem uma indicação do estado fisiológico do atleta no momento do exame. Eles deveriam ser combinados com outros dados incluindo dados subjetivos, físicos e metabólicos para verdadeiramente auxiliar a prática.

 

RESUMO

A avaliação de biomarcadores em atletas fornece um espaço colaborativo para que as equipes de nutrição esportiva, fisiológica e médica possam entender o estado de recuperação do atleta e priorizar intervenções estratégicas, com o objetivo de reduzir dias perdidos de treinamento por lesões e enfermidades e maximizar os resultados dos treinos. Existem evidências claras dos resultados negativos associados com estados inadequados (pobre) de vitamina D, ferro e disponibilidade energética. Análises apropriadas de biomarcadores (seleção, técnica de coleta, frequência das medidas, interpretação estatística) podem fornecer uma visão mais objetiva sobre estas questões.

 

REFERÊNCIAS

Allison, R.J., A. Farooq, A. Cherif, B. Hamilton, G.L. Close, and M. G. Wilson (2018). Why don’t serum vitamin D concentrations associate with BMD by DXA? A case of being ‘bound’ to the wrong assay? Implications for vitamin D screening. Br. J. Sports Med. 52:522-526.

Archer, N.M., and C. Brugnara (2015). Diagnosis of iron-deficient states. Crit. Rev. Clin. Lab. Sci. 52:256-272.

Australian Institute of Sport, AIS. (1999). Sports Haematology Laboratory, sports haematology and biochemistry handbook (Australian Sports Commission: Canberra, Australia).

Black, K.E., O.C. Witard, D. Baker, P. Healey, V. Lewis, F. Tavares, S. Christensen, T. Pease, and B. Smith (2018). Adding omega-3 fatty acids to a protein-based supplement during pre-season training results in reduced muscle soreness and the better maintenance of explosive power in professional Rugby Union players. Eur. J. Sport Sci,.18:1357-1367.

Burden, R.J., N. Pollock, G.P. Whyte, T. Richards, B. Moore, M. Busbridge, S.K. Srai, J. Otto, and C.R. Pedlar (2015). Effect of intravenous iron on aerobic capacity and iron metabolism in elite athletes. Med. Sci. Sports Exerc. 47:1399-1407.

Calder, P.C. (2017). Omega-3 fatty acids and inflammatory processes: from molecules to man, Biochem. Soc. Trans. 45:1105-1115.

Cobley, J.N., G.L. Close, D.M. Bailey, and G.W. Davison (2017). Exercise redox biochemistry: Conceptual, methodological and technical recommendations. Redox Biol. 12:540-548.

Finaud, J., V. Scislowski, G. Lac, D. Durand, H. Vidalin, A. Robert, and E. Filaire (2006). Antioxidant status and oxidative stress in professional rugby players: evolution throughout a season. Int. J. Sports Med. 27:87-93.

Fontani, G., F. Corradeschi, A. Felici, F. Alfatti, S. Migliorini, and L. Lodi (2005). Cognitive and physiological effects of Omega-3 polyunsaturated fatty acid supplementation in healthy subjects. Eur. J. Clin. Invest. 35:691-699.

Friedl, K.E., R.J. Moore, R.W. Hoyt, L.J. Marchitelli, L.E. Martinez-Lopez, and E.W. Askew (2000). Endocrine markers of semistarvation in healthy lean men in a multistressor environment. J. Appl. Physiol. 88:1820-1830.

Harris, W.S. (2010). The omega-3 index: clinical utility for therapeutic intervention. Curr. Cardiol. Rep. 12:503-508.

He, C.S., X.H. Aw Yong, N.P. Walsh, and M. Gleeson (2016). Is there an optimal vitamin D status for immunity in athletes and military personnel? Exerc. Immunol. Rev. 22:42-64.

Hecksteden, A., W. Pitsch, R. Julian, M. Pfeiffer, M. Kellmann, A. Ferrauti, and T. Meyer (2017). A new method to individualize monitoring of muscle recovery in athletes. Int. J. Sports Physiol. Perform. 12:1137-1142.

Heikura, I.A., A.L.T. Uusitalo, T. Stellingwerff, D. Bergland, A.A. Mero, and L.M. Burke (2018). Low energy availability is difficult to assess but outcomes have large impact on bone injury rates in elite distance athletes. Int. J. Sport Nutr. Exerc. Metab. 28:403-411.

Hill, J.A., G. Howatson, K.A. van Someren, I. Walshe, and C.R. Pedlar (2014). Influence of compression garments on recovery after marathon running. J. Strength Cond. Res. 28:2228-2235.

Hingley, L., M.J. Macartney, M.A. Brown, P.L. McLennan, and G.E. Peoples (2017). DHA-rich fish oil increases the omega-3 index and lowers the oxygen cost of physiologically stressful cycling in trained individuals. Int. J. Sport Nutr. Exerc. Metab. 27:335-343.

Jurimae, J., J. Maestu, T. Jurimae, B. Mangus, and S.P. von Duvillard (2011). Peripheral signals of energy homeostasis as possible markers of training stress in athletes: a review. Metabolism 60:335-350.

Knez, W.L., D.G. Jenkins, and J.S. Coombes (2014). The effect of an increased training volume on oxidative stress. Int. J. Sports Med. 35:8-13.

Lane, A.R., J.W. Duke, and A.C. Hackney (2010). Influence of dietary carbohydrate intake on the free testosterone: cortisol ratio responses to short-term intensive exercise training. Eur. J. Appl. Physiol. 108:1125-1131.

Larson-Meyer, D.E., K. Woolf, and L.M. Burke (2018). ‘Assessment of nutrient status in athletes and the need for supplementation. Int. J. Sport Nutr. Exerc. Metab. 28:139-158.

Lewis, N.A., J. Newell, R. Burden, G. Howatson, and C.R. Pedlar (2016). Critical difference and biological variation in biomarkers of oxidative stress and nutritional status in athletes. PLoS One 11:e0149927.

Lewis, N.A., D. Daniels, P.C. Calder, L. Castell, and C.R. Pedlar (2020a). Are there benefits for the use of fish oil (omega-3) supplements in athletes? A systematic review. Adv. Nutr. In Press.

Lewis, N.A., A.J. Simpkin, S. Moseley, G. Turner, M. Homer, A. Redgrave, C.R. Pedlar, and R. Burden (2020b). Increased oxidative stress in injured and ill elite international olympic rowers. Int. J. Sports Physiol. Perform. Epub ahead of print.

Lippi, G., G.L. Salvagno, G. Lima-Oliveira, G. Brocco, E. Danese, and G.C. Guidi (2015). Postural change during venous blood collection is a major source of bias in clinical chemistry testing. Clin. Chim. Acta 440:164-168.

Margaritelis, N.V., A.A. Theodorou, V. Paschalis, A.S. Veskoukis, K. Dipla, A. Zafeiridis, G. Panayiotou, I.S. Vrabas, A. Kyparos, and M.G. Nikolaidis (2018). Adaptations to endurance training depend on exercise-induced oxidative stress: exploiting redox interindividual variability. Acta Physiol. 222:12898.

Mettler, S., and M.B. Zimmermann (2010). Iron excess in recreational marathon runners. Eur. J. Clin. Nutr. 64:490-494.

Mickleborough, T.D., R.L. Murray, A.A. Ionescu, and M.R. Lindley (2003). Fish oil supplementation reduces severity of exercise-induced bronchoconstriction in elite athletes. Am. J. Respir. Crit. Care Med. 168:1181-1189.

Mougios, V. (2007). Reference intervals for serum creatine kinase in athletes. Br. J. Sports Med. 41 674-678.

Mountjoy, M., J.K. Sundgot-Borgen, L.M. Burke, K.E. Ackerman, C. Blauwet, N. Constantini, C. Lebrun, B. Lundy, A.K. Melin, N.L. Meyer, R.T. Sherman, A.S. Tenforde, M. Klungland Torstveit, and R. Budgett (2018). IOC consensus statement on relative energy deficiency in sport (RED-S): 2018 update. Br. J. Sports Med. 52:687-697.

Oliver, J.M., M.T. Jones, K.M. Kirk, D.A. Gable, J.T. Repshas, T.A. Johnson, U. Andréasson, N. Norgren, K. Blennow, and H. Zetterberg (2016). Effect of docosahexaenoic acid on a biomarker of head trauma in American football. Med. Sci. Sports Exerc. 48:974-982.

Owens, D.J., R. Allison, and G.L. Close (2018). Vitamin D and the athlete: Current perspectives and new challenges. Sports Med. 48:3-16.

Peake, J.M., J.F. Markworth, K. Nosaka, T. Raastad, G.D. Wadley, and V.G. Coffey (2015). Modulating exercise-induced hormesis: Does less equal more? J. Appl. Physiol. 119:172-189.

Pedlar, C.R., G.P. Whyte, R. Burden, B. Moore, G. Horgan, and N. Pollock (2013). A case study of an iron-deficient female Olympic 1500-m runner. Int. J. Sports Physiol. Perform. 8:695-698.

Pedlar, C.R., C. Brugnara, G. Bruinvels, and R. Burden (2018). Iron balance and iron supplementation for the female athlete: A practical approach. Eur. J. Sport Sci. 18:295-305.

Pedlar, C.R., J. Newell, and N.A. Lewis (2019). Blood biomarker profiling and monitoring for high performance physiology and nutrition: current perspectives, limitations and recommendations. Sports Med. 49(Suppl 2):185-198.

Peeling, P., M. Sim, C.E. Badenhorst, B. Dawson, A.D. Govus, C.R. Abbiss, D.W. Swinkels, and D.

Trinder (2014). Iron status and the acute post-exercise hepcidin response in athletes. PLoS

One 9:e93002.

Pingitore, A., G.P. Lima, F. Mastorci, A. Quinones, G. Iervasi, and C. Vassalle (2015). Exercise and oxidative stress: potential effects of antioxidant dietary strategies in sports. Nutrition 31:916-922.

Slattery, K., D. Bentley, and A.J. Coutts (2015). The role of oxidative, inflammatory and neuroendocrinological systems during exercise stress in athletes: implications of antioxidant supplementation on physiological adaptation during intensified physical training. Sports Med. 45:453-471.

Sottas, P.E., N. Robinson, and M. Saugy (2010). The athlete’s biological passport and indirect markers of blood doping. Handb. Exp. Pharmacol. pp. 305-326.

Stoffel, N.U., C. Zeder, GM. Brittenham, D. Moretti, and M. B. Zimmermann (2020). Iron absorption from supplements is greater with alternate day than with consecutive day dosing in iron-deficient anemic women, Haematologica. 105:1232-1239.

Vanheest, J.L., C.D. Rodgers, C.E. Mahoney, and M.J. De Souza (2014). Ovarian suppression impairs sport performance in junior elite female swimmers. Med. Sci. Sports Exerc. 46:156-166.